A palavra “público” carrega em si um significado muito mais profundo do que simplesmente ser o oposto de “privado”. Ontologicamente, o que é público pertence a todos e deve ser construído e gerido com transparência, acesso e participação coletiva, estando sujeito ao crivo popular e aos princípios democráticos. No entanto, não é raro vermos esse conceito desvirtuado na prática, especialmente quando grandes decisões, que afetam milhares de pessoas, são tomadas sem o devido debate.
Um exemplo contundente é a implantação da Concessão das Rodovias do Vetor Norte, que culminará em pedágios na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Em tese, um processo dessa magnitude deveria ser amplamente discutido. O que se viu, porém, foram audiências públicas esvaziadas, divulgadas apenas no Diário Oficial e agendadas em dias consecutivos (28/11/2024, em Vespasiano, e 29/11/2024, na Cidade Administrativa). Escolhas que, em vez de incentivar a participação popular, acabam excluindo justamente quem mais será impactado.
Para piorar, embora existisse verba disponível para publicidade — o Estado de Minas Gerais usou apenas 26,5% do orçamento previsto em 2024 para esse fim, de acordo com relatório oficial — não houve empenho em comunicar adequadamente a população. O resultado é a ausência de debate real: sem gente comum nas audiências, resta apenas um ritual burocrático, no qual servidores cumprem obrigação e a participação cidadã vira mera formalidade. Nesse “circo burocrático”, o palhaço é a população.
O impacto dos pedágios, contudo, vai muito além dos locais de instalação. De acordo com o Censo 2022 do IBGE, a Região Metropolitana de Belo Horizonte abriga 5,7 milhões de habitantes. Muitos realizam deslocamentos diários entre cidades como BH, Santa Luzia, Vespasiano, Lagoa Santa, Confins, Pedro Leopoldo, São José da Lapa, Matozinhos e Sete Lagoas. Um trabalhador que percorra diariamente, por exemplo, o trajeto BH–Lagoa Santa e passe em apenas dois dos treze pedágios previstos poderá desembolsar cerca de R$ 2.793,12 por ano — valor próximo a dois salários mínimos. Isso sem contar motoristas de aplicativos ou quem desembarca em Confins para gerar emprego e renda no estado.
Felizmente, a democracia não se faz apenas de atores encastelados. Novas iniciativas surgiram em pouco tempo: audiências verdadeiramente públicas, projetos de lei e até Propostas de Emenda à Constituição, todos visando impedir abusos. O desfecho ainda é incerto, mas fica a esperança de que, em meio aos problemas e aos embates, o propósito maior — o bem público — prevaleça e que a participação democrática seja respeitada como princípio fundamental de qualquer decisão que afete a vida de milhões de cidadãos. Isso, sim, é um estado eficiente.