Governo Lula estuda criar secretaria ou diretoria para gestão de recursos da repactuação de Mariana

Nova estrutura do Executivo seria vinculada a ministério; União vai receber mais de R$ 26 bi
Ao todo, serão R$ 26,2 bilhões repassados pelo acordo para gestão exclusiva da União. Foto: Divulgação
Ao todo, serão R$ 26,2 bilhões repassados pelo acordo para gestão exclusiva da União. Foto: Divulgação

O governo Lula estuda a criação de uma estrutura administrativa ‘temporária’ – provavelmente uma Secretaria ou diretoria extraordinária ligada a algum ministério – para gerir os recursos provenientes da repactuação do acordo de Mariana.

O Fator teve acesso a documentações internas do governo federal que indicam a necessidade de criação da estrutura administrativa por conta dos altos valores que seguirão para participação da União por conta do novo acordo.

Ao todo, serão R$ 26,2 bilhões repassados pelo acordo para gestão exclusiva da União.

O cronograma de repasses desse dinheiro para a União está previsto da seguinte forma:

Recursos com previsão de Gestão Exclusiva pela União

ANO2024202520262027202820292030203120322033
R$ bilhões0,8830,8832,0862,0862,0861,4061,0861,0861,0861,086
ANO2034203520362037203820392040204120422043
R$ bilhões1,1361,2571,2571,2571,2571,2571,2571,2571,2571,257

Outro trecho da repactuação prevê um total de R$ 31,3 bilhões de gestão Interfederativa entre União, Estados e Municípios.

Esses recursos seriam destinados em conjunto com outros R$ 25,8 bilhões aos Estados, seguindo um mesmo cronograma.

Recursos com previsão de Gestão Interfederativa e para Estados
(sujeito a ajustes até a assinatura do acordo)

ANO2024202520262027202820292030203120322033
R$ bilhões0,9310,9312,1372,2582,0861,9131,9131,9131,9131,545
ANO2034203520362037203820392040204120422043
R$ bilhões1,3611,3921,3921,3921,3921,3921,3921,3921,3921,392

A repactuação de Mariana vai ser assinada contanto com um total de R$ 100 bilhões em ‘dinheiro novo’.

Do total destes recursos, a AGU estima que R$ 40,73 bilhões sejam destinados diretamente a atingidos por meio de programas de transferência de renda e retomada econômica. Há, no texto da repactuação, a previsão para criar um sistema indenizatória final e definitivo, chamado de PID, para “alcançar atingidos que não conseguiram comprovar documentalmente danos sofridos”, um pagamento de R$ 30 mil aos atingidos em geral e R$ 95 mil aos pescadores e agricultores atingidos. Ao todo, cerca de 300 mil pessoas devem receber os valores.

Já outros R$ 7,2 bilhões do “dinheiro novo” serão repassados aos municípios que assinarem o acordo.

Como já mostrou O Fator, a expectativa é que 38 municípios de Minas recebam a indenização acordada pela repactuação. Ao todo, serão 49 cidades, sendo 11 do Espírito Santo, e com valores distribuídos conforme índice feito pelo Consórcio dos Municípios do Rio Doce (Coridoce).

Os valores serão pagos mediante adesão voluntária e individual de cada municípios – o que gera debates sobre a escolha entre a repactuação no Brasil ou aguardar por um desfecho do processo judicial na Inglaterra.

Na ação ajuizada em Londres contra a mineradora BHP Billiton, feita pelo escritório inglês Pogust Goodhead, o valor total da indenização pedida é de aproximadamente R$ 230 bilhões. Ainda é incerto dizer quanto, em caso de vitória dos representantes dos atingidos, seria destinado aos municípios.

Um contrato enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela a Prefeitura de Pingo D’água, na região do Vale do Rio Doce, assinado com o escritório inglês indica que o valor estimado do honorário seria de R$ 10 milhões.

No último dia 14, o ministro Flávio Dino, relator de uma ação do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) que questiona a constitucionalidade de que municípios acionem mineradoras no exterior, proibiu que municípios brasileiros efetuem qualquer pagamento de honorários advocatícios baseados em cláusulas de êxito (ad exitum) sem prévia análise de legalidade por parte das instâncias soberanas do Estado brasileiro, especialmente o STF. 

No caso da ação em Londres, assinam a representação contra a BHP Billiton mais de 620 mil atingidos, entre municípios, indivíduos, entidades religiosas, comunidades tradicionais e empresas. O valor dos honorários, em caso de êxito no tribunal, varia – para indivíduos, será de 30% do montante a ser recebido. Para empresas, entre 20 a 30%. Já comunidades tradicionais não terão taxa de cobrança.

O julgamento da ação teve início nesta segunda-feira (21) e tem previsão para durar 12 semanas. Após sua conclusão em março, a expectativa é que um resultado final seja publicado pela Corte inglesa no meio de 2025.

Repactuação

A previsão é que a repactuação de Mariana seja assinada, finalmente, em um evento em Brasília na próxima sexta-feira (25). Ao todo, R$ 100 bilhões em “dinheiro novo” devem ser pagos em duas décadas.

A maioria das obrigações de fazer das empresas ficará em obrigações de pagar à União e a Minas Gerais e ao Espírito Santo. Os governos dos dois estados terão de implementar políticas públicas que concretizaram as ações de reparação.

O novo modelo mantém algumas obrigações diretas para as empresas, como:

1. Finalização do reassentamento de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo

2. Retirada de 9 milhões de m³ de rejeitos do reservatório da UHE Risoleta Neves

3. Recuperação de 54 mil hectares de floresta nativa na Bacia do Rio Doce

4. Recuperação de 5 mil nascentes na Bacia do Rio Doce

5. Realização do Gerenciamento de Áreas Contaminadas (GAC)

Ainda conforme o acordo, o sistema de indenizações será remodelado. Cada atingido vai receber R$ 30 mil, enquanto pescadores e agricultores receberão adicional de R$ 9 mil. Há, também, previsão de pagamento extra de R$ 13 mil por causa do comprometimento dos meios de acesso aos recursos hídricos. Trezentas mil pessoas devem ser beneficiadas.

Divisão dos R$ 100 bilhões em ‘dinheiro novo’:

– 40,73% (R$ 40,73 bilhões) serão destinados diretamente aos atingidos

– 16,13% (R$ 16,13 bilhões) aplicados na recuperação ambiental

– 17,85% (R$ 17,85 bilhões) em ações socioambientais que beneficiam indiretamente atingidos e meio ambiente

– 15,60% (R$ 15,60 bilhões) para saneamento e rodovias

– 7,62% (R$ 7,62 bilhões) para municípios

– 2,07% (R$ 2,06 bilhões) para ações institucionais e transparência

Outros pontos do acordo:

– Criação de um Programa de Transferência de Renda (PTR) de R$ 4 bilhões para pescadores e agricultores atingidos

– R$ 7,09 bilhões para programas de retomada econômica

– Fundo Popular da Bacia do Rio Doce, no valor de R$ 5,12 bilhões, para investimentos decididos diretamente pelas comunidades atingidas

– R$ 8,13 bilhões para um Fundo Ambiental da União e R$ 6 bilhões para um Fundo Ambiental dos Estados

– R$ 2,5 bilhões para reestruturação do setor de pesca, com previsão de liberação gradual da atividade

– R$ 12 bilhões para investimentos em saúde coletiva na Bacia do Rio Doce

– R$ 11 bilhões para saneamento básico nos municípios da Bacia

– R$ 4,6 bilhões para melhorias em rodovias federais na bacia (BR-262 e BR-356)

Posicionamento do escritório inglês

Nota do Pogust Goodhead

  1. Os termos de uma eventual repactuação de Mariana, divulgados pela BHP às vésperas do julgamento de responsabilidade da mineradora na Inglaterra – que começou nesta segunda-feira (21) – só comprovam que as empresas responsáveis pelo maior desastre ambiental do Brasil querem a todo custo tentar impedir as vítimas de buscarem justiça e continuar com perpetua
  2. Uma eventual repactuação não impactará o julgamento no Reino Unido. A forma em que os termos foram anunciados demonstram apenas uma tentativa desesperada da BHP de não responder em tribunal pelos atos que levaram ao rompimento da barragem do Fundão, em 5 de novembro de 2015.
  3. É fundamental esclarecer que a maior parte dos recursos referem-se a verbas que serão gastas pelos estados e pelo governo federal, e não se trata de compensações diretas aos indivíduos e comunidades afetadas.
  4. Diferente do acordo proposto pela BHP, o processo movido no Reino Unido por cerca de 620 mil vítimas da tragédia – representadas pelo Pogust Goodhead – é focada nos direitos individuais, buscando reparar os danos materiais e morais específicos sofridos por cada atingido. Além de moradores das regiões afetadas, comunidades indígenas e quilombolas, a ação também contempla 46 municípios, 1.500 empresas, instituições religiosas e autarquias.
  5. Nossos clientes não foram incluídos ou consultados em nenhum momento durante o processo de repactuação no Brasil, que vem sendo conduzido a portas fechadas e sob confidencialidade desde o início. A proposta anunciada pela BHP, portanto, não reflete a realidade das perdas sofridas pelos clientes da ação inglesa.
  6. Os valores para indenização individual oferecidos no acordo proposto são totalmente insatisfatórios, refletindo a falta de participação das vítimas nas negociações e desconsiderando completamente as circunstâncias individuais de cada um.
  7. O processo na corte inglesa é hoje a única via para que os atingidos responsabilizem a BHP sejam reparados de forma justa e integral pelos diversos danos sofridos. O julgamento na Inglaterra representa muito mais do que uma compensação financeira: é uma oportunidade única de responsabilizar a maior empresa de mineração do mundo por um crime ambiental e garantir que tais crimes não fiquem impunes.

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