‘Má-fé’, ‘incapacidade’ e ‘torpeza’: juiz detona Fundação Renova em decisão

Magistrado teceu críticas pesadas à entidade criada para reparar atingidos por barragem
O rompimento da barragem de Fundão, em 2015, matou 19 pessoas e gerou dano ambiental ainda incalculável
O rompimento da barragem de Fundão, em 2015, matou 19 pessoas e gerou dano ambiental ainda incalculável. Foto: Léo Rodrigues/Agência Brasil

Na decisão em que determinou que a Fundação Renova pague os lucros cessantes de atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana, publicada na última quarta (15), o juiz federal Vinicius Cobucci, responsável pelo caso na primeira instância da Justiça Federal, fez severas críticas à atuação da Renova no processo de reparação. O magistrado não poupou palavras ao apontar falhas e questionar a conduta da entidade responsável pela reparação dos danos causados pelo desastre.

Um dos trechos mais duros da decisão aponta a “notória incapacidade da Renova de produzir ações reais, concretas e significantes para a efetiva retomada das condições econômicas e ambientais anteriores ao desastre”. O juiz acusou a Renova de se beneficiar da “própria torpeza” ao não reparar as consequências do dano, violando princípios básicos do Direito Ambiental, como o poluidor-pagador e da reparação integral.

Cobucci afirmou que o posicionamento da Renova e das empresas envolvidas – Samarco, Vale e BHP Billiton – “implica enriquecimento sem causa e violação à boa-fé objetiva”, além de equivaler a “uma nova violação dos direitos fundamentais dos atingidos”. Segundo o magistrado, esse entendimento “viola a própria dignidade da pessoa humana da vítima, que se vê indenizada apenas em relação a um período, enquanto a causadora do dano é premiada por não reparar as consequências”.

O magistrado acusou, ainda, a Fundação Renova de “desrespeitar as decisões judiciais, não observar deliberações do CIF, procurar acordos diretos sem a participação de outros autores e criar interpretações unilaterais equivocadas”, causando “insegurança jurídica”. Ele classificou como “extremamente cansativa” a “postura não colaborativa e, por muitas vezes, de má-fé da Renova ao se negar a prestar de forma correta e completa as informações solicitadas”.

O juiz destacou que “a poluição causada pelo desastre é permanente” e que “os rejeitos ainda se encontram no Rio Doce e produzem os mais variados efeitos, de forma negativa às comunidades afetadas”. Ele ressaltou que “não existe uma ação real e efetiva que afaste a produção destes efeitos” e que, embora possa haver uma atenuação com o tempo, isso não ocorre “em razão de uma atuação definitiva, assertiva e transformadora da Fundação Renova”.

Cobucci criticou duramente a Renova por afirmar que o sistema indenizatório Novel foi criado com o intuito de “destravar” o processo indenizatório, faltando “respeito com a vítima”. Segundo o juiz, “é dever da Renova dar a máxima efetividade à reparação e à indenização”, e a entidade “imputa de forma incorreta o ônus do fracasso ao atingido”.

Cobucci determinou o “emprego de multas” contra a Fundação Renova, afirmando que o “malabarismo jurídico de reescrever os poderes de representação para descumprir decisões judiciais não pode ser tolerado e deve ser coibido”. O juiz ressaltou que “as vítimas do rompimento não podem ser novamente prejudicadas enquanto a Renova se beneficia da própria torpeza ao não cumprir com suas obrigações”.

Na decisão de quarta-feira, o juiz determinou que a Renova pague lucros cessantes – ou seja, tudo aquilo que deixou de ser arrecadado por conta do desastre – anuais às pessoas atingidas pelo rompimento da barragem até que haja a retomada segura de suas atividades produtivas. Cobucci estabeleceu um prazo de 90 dias para o cumprimento das determinações, sob pena de multa diária e por ato atentatório à dignidade da justiça.

Em 2016, um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado entre a União, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, e as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton, responsáveis pelo rompimento da barragem, estabeleceu a criação da Fundação Renova, encarregada de gerir e executar os programas de reparação dos danos causados pelo desastre.

Desde então, a atuação da Renova tem sido alvo de críticas e questionamentos judiciais por parte do Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública e entidades representativas dos atingidos. Eles alegam descumprimento das obrigações previstas no TTAC e violações aos direitos humanos das vítimas.

O rompimento da barragem de Fundão, em 2015, matou 19 pessoas e gerou dano ambiental ainda incalculável. A estrutura era gerida pela Samarco, controlada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton.

Procurada por O Fator, a assessoria de imprensa da Fundação Renova afirmou que só irá se manifestar sobre as críticas do juiz federal nos autos do processo.

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