Barracas de praia viram patrimônio cultural

Foto mostra barracas de praia
Lei sobre as barracas da Praia do Futuro pode desencadear normas sobre barracas instaladas em outras faixas de areia. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

As barracas de praia são uma presença constante na realidade brasileira. Em diversos perfis, desde as mais simples até os aclamados beach clubs, as barracas de praia incorporaram-se nas paisagens do litoral brasileiro. Entretanto, o fato de algo ser uma constante, um fenômeno socioeconômico, não o converte em si em um patrimônio cultural. A cultura é uma expressão profunda da identidade e das manifestações sociais de comunidades a lhes conferir especificidade na diversidade social.

Entretanto, a recente Lei n. 15.092, de 7 de janeiro de 2025, abriu um precedente que pode ser positivo, se bem utilizado, mas carrega consigo grandes riscos. A Lei determina que ficam reconhecidas como patrimônio cultural as barracas de praia e a atividade desempenhada pelos barraqueiros da Praia do Futuro, na cidade de Fortaleza, Estado do Ceará, em razão de sua relevância cultural, social e econômica, bem como por sua contribuição para a identidade local e nacional. Embora restrita à Praia do Futuro, a lei pode desencadear uma espiral de normas federais, estaduais e municipais que atribuam a barracas comerciais o qualificativo de atividade cultural.

O artigo 216 da Constituição indica como patrimônio cultural os bens de natureza material e imaterial que tenham referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. O simples fato de ser uma barraca de praia não pode ser configurador de identidade ou de expressão cultural. Se, sob o ângulo positivo, comunidades de pessoas das áreas praianas, que vivem e possuem seu modo de vida ligado às barracas de praia, passam a ser reconhecidas, sob o ângulo negativo, tem-se verdadeiro risco ambiental e urbanístico.

Empreendimentos comerciais, pertencentes a pessoas que sequer habitam em localidade praiana, poderão pleitear um tratamento em igualdade. Ou seja, a base de reconhecimento da Lei n. 15.092 pode levar a uma explosão de “reconhecimento” de patrimônios culturais que na verdade são empreendimentos comerciais. Qual o efeito disso?

Haverá implicações diretas sobre as medidas ambientais, urbanísticas e de resguardo ao meio ambiente pelas implicações da intervenção humana, desde a construção propriamente dita, até questões de saneamento e disposição de resíduos. Mais, qual o limite entre a configuração de uma barraca de praia e de um beach club propriamente dito? Não se tem definição na norma.

Além disso, o fato em si de ser uma atividade reconhecida como cultural longe está de atribuir às pessoas que ali trabalham o status de população ou povo tradicional. Seria uma situação bizarra pensar-se em barraqueiros de praia como população tradicional a atrair os benefícios e ressalvas legais quanto ao uso e ocupação do solo. O problema maior reside justamente nos riscos de deturpação e deformação contido na Lei.

Outro ponto se abre em espaço. Se barracas de praia podem ser reconhecidas como patrimônio cultural, o que impediria de outras barracas, em ruas ou espaços aleatórios, também terem esta qualificação? Sem dúvidas há locais e traços históricos que podem sim imprimir teor de culturalidade às atividades, mas também não há dúvidas que a norma abre espaço para brechas que levem ao afastamento de normas ambientais e urbanísticas com o argumento de ser a atividade qualificada como patrimônio cultural.

Deve-se ter cautela para que não se passe a rotular como cultural o empreendimento econômico que tenha como objetivo flexibilizar exigências de conformidade urbanística e ambiental. As praias e espaços públicos brasileiros possuem seu valor pela conjuntura biossocial que representam. Rotulações casuísticas são um risco para o próprio patrimônio cultural e ambiental.

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