O cidadão saiu de casa, convicto, indiferente ao sol, ou à chuva, não sabia, não importava. Relevante era ir direto ao ponto, reclamar. Entrou na loja de computadores. Absorvido por estar coberto de convicção, inflado de opinião e esvaziado de razão, proclama solenemente: “Eu preciso de um eletricista em minha casa, urgente, já passei aqui ontem, até agora não tomaram providências”. Não temos um eletricista, somos uma loja de computadores, rebate inibida a vendedora. “Não me importa, vejo tomadas nos computadores, computadores usam energia elétrica, meu computador é daqui, cabe a vocês resolverem o problema”. Após toda a resistência, sendo que sequer loja de chuveiros era, o cidadão sai da loja decepcionado: “Não tem jeito com este país!”
Estranho, confuso, projeção do ignorar? Certamente. Mas exatamente essa situação, guardadas as devidas proporções, atinge e ocorre na sociedade e na Administração Pública brasileiras. Há uma crise de conhecimento que se agrava continuamente. A sociedade, em grande medida, desconhece imensamente os campos de competência e limites de atribuições dos entes federativos, e nestes últimos, dos gestores e agentes públicos. Em outras palavras, a crise de conhecimento provoca uma série de demandas e projeta outras rajadas de frustrações para órgãos, gestores e agentes públicos que não são os competentes, que não tem a atribuição de atender ao pleito do cidadão.
Tome-se em exemplo a segurança pública. Não há dúvidas que a sociedade brasileira vive uma crise de segurança pública. O artigo 144, §4º e §5º, da Constituição é expresso em indicar que cabe à polícia militar a atuação como polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, assim como à polícia civil cabe a apuração de infrações penais comuns. Ambas estão sob gestão e direção do Governo do Estado. Entretanto, a crise de conhecimento de atribuições leva o cidadão a dirigir suas pretensões e frustrações em face da União ou mesmo do Município que, embora tenha sua guarda municipal, não é o responsável pelo policiamento ostensivo e pelo combate à criminalidade. Prefeito, Vereadores, e mesmo congressistas federais e Presidente da República são demandados por algo que não lhes compete.
Mais. Demandas existem para que municípios possam regular estacionamentos, inclusive de shoppings. Indivíduo fica 5 minutos no estacionamento e é cobrado por 15, um quarto de hora. Então, demanda atuação do vereador. Entretanto, o vereador não pode fazer absolutamente nada a respeito. Cabe ao Congresso Nacional legislar sobre o tema, pois se trata de direito civil, artigo 22, I. Já o Estado pode ser demandado pelo cidadão para legislar e operar o planejamento da ocupação urbana de sua cidade. Nada poderá fazer, pois a atribuição é do município.
A crise de conhecimento é péssima para o cidadão e para o agente público, seja ele qual for. Para o cidadão é péssima por produzir um sentimento de frustração, de indefinição, uma perspectiva de desorientação para com a Administração Pública. Para o agente público é desastrosa, pois lhe sobrevêm demandas e reclamações alheias ao seu campo de ação, resultando em riscos de credibilidade em razão de algo em que sequer podem intervir.
Uma campanha de transparência pública é necessária para que a sociedade conheça a sistemática normativa das atribuições de União, Estados, Distrito Federal e Municípios, assim como de Prefeito e Vereadores, Governador e Deputados Estaduais, Presidente e Deputados Federais e Senadores. O primeiro passo para se ter eficiência e contundência nas reclamações é saber quem é competente para cada atividade. Esse conhecimento resguarda também o cidadão em face de notícias e acusações falseadas, que pretendem imputar omissões e ausências a quem simplesmente não pode agir por estar fora de suas atribuições legais e constitucionais.