João Guimarães Rosa, um dos maiores escritores brasileiros, desbravou em suas obras a essência da mineiridade — um conceito que engloba as particularidades culturais, linguísticas e psicológicas do povo de Minas Gerais. Sua escrita não apenas retrata o sertão físico, mas adentra o sertão interior de cada personagem, revelando a complexidade humana.
Um dos aspectos mais marcantes da contribuição de Guimarães Rosa é a valorização e a difusão do “mineirês”, o dialeto característico de Minas Gerais. Utilizando expressões, sotaques e construções linguísticas típicas da região, o autor trouxe para a literatura brasileira a riqueza da fala mineira. Hoje, o “mineirês” é amplamente apreciado em todo o Brasil, reconhecido por sua musicalidade e profundidade cultural.
Em Grande Sertão: Veredas, Rosa nos apresenta Riobaldo, um jagunço cuja jornada reflete a busca universal por sentido e identidade. Através de uma linguagem rica em neologismos e regionalismos, o autor captura a cadência do “mineirês”. “O sertão está em toda parte”, diz Riobaldo, sugerindo que o sertão não é apenas um lugar geográfico, mas um estado de espírito.
A mineiridade se manifesta na obra de Rosa pela valorização da sabedoria popular e da oralidade. As histórias são permeadas por provérbios e ditados que refletem a filosofia de vida do sertanejo. “Viver é muito perigoso”, afirma um dos personagens, resumindo a consciência das dificuldades e incertezas da existência.
Além disso, Rosa explora o misticismo e a religiosidade, elementos intrínsecos à cultura mineira. Seus personagens frequentemente enfrentam dilemas morais e espirituais, navegando entre o bem e o mal, o real e o fantástico. Essa dualidade é representada nas paisagens descritas, onde o sertão é tanto cenário quanto personagem.
A contribuição de Guimarães Rosa para o “mineirês” vai além da simples reprodução do dialeto; ele o elevou a uma forma poética e universal. Sua habilidade em manipular a língua portuguesa, incorporando termos e expressões locais, criou um estilo único que encantou leitores em todo o país. Essa abordagem não só preservou o dialeto, mas também o popularizou, fazendo com que muitos brasileiros se identificassem e apreciassem o jeito mineiro de falar.
Podemos observar que a mineiridade em Rosa também se expressa na representação da introspecção e da astúcia mineira. Seus personagens são observadores, desconfiados, mas dotados de uma profunda sabedoria. “Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa”, confessa Riobaldo, numa síntese da postura reflexiva típica do mineiro.
Além disso, a temática da jornada — física e espiritual — é recorrente. Os caminhos percorridos pelos personagens simbolizam as veredas da vida, cheias de desafios e descobertas. “O correr da vida embrulha tudo”, escreve Rosa, enfatizando a imprevisibilidade e a fluidez da existência.
Em suma, Guimarães Rosa não apenas retratou Minas Gerais em suas obras, mas elevou a mineiridade e o “mineirês” a um universo literário universal. Sua contribuição vai além da literatura regionalista; ele capturou a essência humana através das lentes da cultura mineira, mostrando que, embora enraizados em um lugar específico, seus temas são universais.
Com isso, o autor convida o leitor a explorar não apenas o sertão geográfico, mas também o sertão de si mesmo. A mineiridade e o “mineirês” tornam-se, assim, metáforas para a jornada interior que todos empreendemos em busca de autoconhecimento e sentido na vida.