O currículo escolar sempre foi palco de disputas. Afinal, pensar a Educação não é apenas refletir acerca dos processos de ensino e aprendizagem, mas consolidar um projeto de sociedade. A Educação não é apenas uma ilha isolada das outras atividades sociais. É por ela, inclusive, que conservamos alguns valores, transformamos outros e criamos formas de ser, pensar e agir.
Por esse motivo, a disputa educacional não há de se restringir aos “especialistas da Educação”, mas interessar a todos os agentes sociais, na medida em que é por ela que projetamos o tipo de País que desejamos construir.
Desde 2017 discutimos o chamado “Novo Ensino Médio”. Entre projetos de lei, reformas, contrarreformas e sanções, estamos refletindo (com mais ou menos participação popular) qual tipo de educação formal acreditamos ser a mais saudável para aqueles e aquelas que irão seguir com o projeto de Brasil (se é que esse projeto existe). Por isso, esse debate interessa a todos nós.
Para além dos meandros políticos, econômicos e ideológicos, umas das pautas centrais girava em torno da carga horária obrigatória, aquela dedicada aos componentes curriculares historicamente consolidados, como geografia, história, física, biologia, artes, filosofia, sociologia, educação física, entre outros.
Pretendia-se, em um primeiro momento, reduzir essa carga horária para colocar em seu lugar propostas mais lúdicas e empreendedoras, os chamados Itinerários Formativos, momento em que o estudante teria a oportunidade de escolher qual tipo de área de conhecimento ele gostaria de aprofundar, a saber: Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Linguagens.
Se a ideia parecia boa, na prática foi um desastre. Entre cursos como “Brigadeiro Gourmet”, “Quem quer ser um milionário”, “RPG” e o “O que rola por aí”, estávamos atrasando nossos estudantes por mais de duas décadas, enquanto outros países pegavam pesado nas disciplinas tradicionais e ainda colocavam em revisão a famosa “digitalização do ensino”, retornando os suportes de leitura em livros de papel, abandonando a insensatez do “ensino via tablet”.
A Câmara dos Deputados finalizou a votação da lei que cria o Novo Ensino Médio, seguindo, agora, para sanção presidencial. Naquilo que mais nos interessa: as disciplinas tradicionais passaram de 1.800 para 2.400 horas. Isso quer dizer que nossos estudantes voltarão a ter aulas relacionadas aos conteúdos socialmente construídos, universalmente validados e pedagogicamente consolidados. Sobrando, ainda, 600 horas para as disciplinas eletivas, aquele percurso em que ele pode escolher qual caminho seguir em seu processo de aprendizagem.
Vitória da sociedade e garantia do direito à Educação. Competir em pé de igualdade, em um mundo letrado e científico, significa dominar os códigos em que esse mesmo mundo se comunica. Impossível educar alguém à base da experimentação. Nosso ensino médio não pode ser um laboratório para as grandes editoras, conglomerados financeiros e outras entidades, sempre de olho nas generosas cifras das verbas educacionais.
Todo pai, mãe, educador ou educadora, deseja que nossos jovens cresçam em inteligência, integridade, trabalho e participação cidadã. E isso só será possível se for pavimentado através de educação sólida e academicamente letrada. Não podemos apoiar quem pretende inverter o processo, pois, como diria em minha terra “tem sempre algo errado quando o rabo tenta balançar o cachorro”.