Uma apresentação da Advocacia-Geral da União (AGU) para ministros e o presidente Lula, feita no último dia 15, no Palácio do Planalto, destacou “pontos de atenção” sobre o acordo de repactuação referente ao desastre de Mariana. Esses “pontos” representam aspectos que podem gerar críticas da opinião pública e da imprensa em relação ao novo acordo, previsto para ser assinado na próxima sexta-feira (25).
Um dos principais pontos levantados é a ausência dos atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana na Mesa de Repactuação. Conforme decisão do Tribunal Regional da 6ª Região, que conduziu a conciliação, não houve participação direta dos atingidos ou de suas representações nas negociações. Embora, segundo a AGU, os interesses dos afetados tenham sido defendidos por representantes do Poder Público, essa ausência “pode gerar questionamentos, especialmente considerando as expectativas criadas com a ação ajuizada em Londres”.
Outro aspecto destacado é o “isco inerente à assunção da responsabilidade de reparação pelo Poder Público. Isso implica em uma cobrança social que recairá sobre a União e Estados, além de possivelmente “expor a baixa capacidade operacional dos entes da União (ministérios e autarquias) para executar as ações previstas e obrigações assumidas”.
Ao todo, a repactuação de Mariana deve ser fechada em um valor total de R$ 167 bilhões, sendo destes R$ 100 bi em “dinheiro novo” ao poder público, R$ 30 bi em obrigações de fazer das empresas e R$ 37 bi supostamente já desembolsados por meio de ações da Fundação Renova.
Do total destes recursos, a AGU estima que R$ 40,73 bilhões sejam destinados diretamente a atingidos por meio de programas de transferência de renda e retomada econômica. Há, no texto da repactuação, a previsão para criar um sistema indenizatória final e definitivo, chamado de PID, para “alcançar atingidos que não conseguiram comprovar documentalmente danos sofridos”, um pagamento de R$ 30 mil aos atingidos em geral e R$ 95 mil aos pescadores e agricultores atingidos. Ao todo, cerca de 300 mil pessoas devem receber os valores.
Já outros R$ 7,2 bilhões do “dinheiro novo” serão repassados aos municípios que assinarem o acordo.
Como já mostrou O Fator, a expectativa é que 38 municípios de Minas recebam a indenização acordada pela repactuação. Ao todo, serão 49 cidades, sendo 11 do Espírito Santo, e com valores distribuídos conforme índice feito pelo Consórcio dos Municípios do Rio Doce (Coridoce).
Os valores serão pagos mediante adesão voluntária e individual de cada municípios – o que gera debates sobre a escolha entre a repactuação no Brasil ou aguardar por um desfecho do processo judicial na Inglaterra.
Na ação ajuizada em Londres contra a mineradora BHP Billiton, feita pelo escritório inglês Pogust Goodhead, o valor total da indenização pedida é de aproximadamente R$ 230 bilhões. Ainda é incerto dizer quanto, em caso de vitória dos representantes dos atingidos, seria destinado aos municípios.
Um contrato enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela a Prefeitura de Pingo D’água, na região do Vale do Rio Doce, assinado com o escritório inglês indica que o valor estimado do honorário seria de R$ 10 milhões.
No último dia 14, o ministro Flávio Dino, relator de uma ação do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) que questiona a constitucionalidade de que municípios acionem mineradoras no exterior, proibiu que municípios brasileiros efetuem qualquer pagamento de honorários advocatícios baseados em cláusulas de êxito (ad exitum) sem prévia análise de legalidade por parte das instâncias soberanas do Estado brasileiro, especialmente o STF.
No caso da ação em Londres, assinam a representação contra a BHP Billiton mais de 620 mil atingidos, entre municípios, indivíduos, entidades religiosas, comunidades tradicionais e empresas. O valor dos honorários, em caso de êxito no tribunal, varia – para indivíduos, será de 30% do montante a ser recebido. Para empresas, entre 20 a 30%. Já comunidades tradicionais não terão taxa de cobrança.
O julgamento da ação teve início nesta segunda-feira (21) e tem previsão para durar 12 semanas. Após sua conclusão em março, a expectativa é que um resultado final seja publicado pela Corte inglesa no meio de 2025.
Repactuação
A previsão é que a repactuação de Mariana seja assinada, finalmente, em um evento em Brasília na próxima sexta-feira (25). Ao todo, R$ 100 bilhões em “dinheiro novo” devem ser pagos em duas décadas.
A maioria das obrigações de fazer das empresas ficará em obrigações de pagar à União e a Minas Gerais e ao Espírito Santo. Os governos dos dois estados terão de implementar políticas públicas que concretizaram as ações de reparação.
O novo modelo mantém algumas obrigações diretas para as empresas, como:
1. Finalização do reassentamento de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo
2. Retirada de 9 milhões de m³ de rejeitos do reservatório da UHE Risoleta Neves
3. Recuperação de 54 mil hectares de floresta nativa na Bacia do Rio Doce
4. Recuperação de 5 mil nascentes na Bacia do Rio Doce
5. Realização do Gerenciamento de Áreas Contaminadas (GAC)
Ainda conforme o acordo, o sistema de indenizações será remodelado. Cada atingido vai receber R$ 30 mil, enquanto pescadores e agricultores receberão adicional de R$ 9 mil. Há, também, previsão de pagamento extra de R$ 13 mil por causa do comprometimento dos meios de acesso aos recursos hídricos. Trezentas mil pessoas devem ser beneficiadas.
Divisão dos R$ 100 bilhões em ‘dinheiro novo’:
– 40,73% (R$ 40,73 bilhões) serão destinados diretamente aos atingidos
– 16,13% (R$ 16,13 bilhões) aplicados na recuperação ambiental
– 17,85% (R$ 17,85 bilhões) em ações socioambientais que beneficiam indiretamente atingidos e meio ambiente
– 15,60% (R$ 15,60 bilhões) para saneamento e rodovias
– 7,62% (R$ 7,62 bilhões) para municípios
– 2,07% (R$ 2,06 bilhões) para ações institucionais e transparência
Outros pontos do acordo:
– Criação de um Programa de Transferência de Renda (PTR) de R$ 4 bilhões para pescadores e agricultores atingidos
– R$ 7,09 bilhões para programas de retomada econômica
– Fundo Popular da Bacia do Rio Doce, no valor de R$ 5,12 bilhões, para investimentos decididos diretamente pelas comunidades atingidas
– R$ 8,13 bilhões para um Fundo Ambiental da União e R$ 6 bilhões para um Fundo Ambiental dos Estados
– R$ 2,5 bilhões para reestruturação do setor de pesca, com previsão de liberação gradual da atividade
– R$ 12 bilhões para investimentos em saúde coletiva na Bacia do Rio Doce
– R$ 11 bilhões para saneamento básico nos municípios da Bacia
– R$ 4,6 bilhões para melhorias em rodovias federais na bacia (BR-262 e BR-356)
Posicionamento do escritório inglês
Nota do Pogust Goodhead
- Os termos de uma eventual repactuação de Mariana, divulgados pela BHP às vésperas do julgamento de responsabilidade da mineradora na Inglaterra – que começou nesta segunda-feira (21) – só comprovam que as empresas responsáveis pelo maior desastre ambiental do Brasil querem a todo custo tentar impedir as vítimas de buscarem justiça e continuar com perpetua
- Uma eventual repactuação não impactará o julgamento no Reino Unido. A forma em que os termos foram anunciados demonstram apenas uma tentativa desesperada da BHP de não responder em tribunal pelos atos que levaram ao rompimento da barragem do Fundão, em 5 de novembro de 2015.
- É fundamental esclarecer que a maior parte dos recursos referem-se a verbas que serão gastas pelos estados e pelo governo federal, e não se trata de compensações diretas aos indivíduos e comunidades afetadas.
- Diferente do acordo proposto pela BHP, o processo movido no Reino Unido por cerca de 620 mil vítimas da tragédia – representadas pelo Pogust Goodhead – é focada nos direitos individuais, buscando reparar os danos materiais e morais específicos sofridos por cada atingido. Além de moradores das regiões afetadas, comunidades indígenas e quilombolas, a ação também contempla 46 municípios, 1.500 empresas, instituições religiosas e autarquias.
- Nossos clientes não foram incluídos ou consultados em nenhum momento durante o processo de repactuação no Brasil, que vem sendo conduzido a portas fechadas e sob confidencialidade desde o início. A proposta anunciada pela BHP, portanto, não reflete a realidade das perdas sofridas pelos clientes da ação inglesa.
- Os valores para indenização individual oferecidos no acordo proposto são totalmente insatisfatórios, refletindo a falta de participação das vítimas nas negociações e desconsiderando completamente as circunstâncias individuais de cada um.
- O processo na corte inglesa é hoje a única via para que os atingidos responsabilizem a BHP sejam reparados de forma justa e integral pelos diversos danos sofridos. O julgamento na Inglaterra representa muito mais do que uma compensação financeira: é uma oportunidade única de responsabilizar a maior empresa de mineração do mundo por um crime ambiental e garantir que tais crimes não fiquem impunes.