Em artigo precedente, o primeiro dessa série de dez sobre Educação, ocupamo-nos de descrever as realizações dos governos tucanos na educação básica. Este, ocupa-se das venturosas e múltiplas conquistas e inovações do MEC na gestão do ministro Fernando Haddad. Em sete anos contínuos, a gestão do ministro Haddad atravessou três governos do PT, de 2005 a janeiro de 2012.
Perfis e comparações
Seguem-se os perfis e algumas comparações esclarecedoras entre os períodos em que estiveram à frente do MEC e os estilos de liderança do tucano Paulo Renato de Souza e do petista Fernando Haddad. O ministro da Educação Paulo Renato de Souza, culto, um dos fundadores do PSDB, mestre (Escola Latina, Chile) e doutor em Economia e professor titular de Economia da Unicamp, havia sido secretário de Estado de Educação de São Paulo (1984 a 1986), reitor da UNICAMP, gerente setorial do BID, sendo coordenador do plano de governo do então candidato a presidente FHC, em 1994. Ao assumir o MEC, não havia disputado nenhuma eleição, porquanto sabidamente um pretendente a candidato na sucessão do presidente FHC. Após, seria eleito deputado federal (2007 a 2009). Licenciou-se do mandato para retornar ao comando da secretaria de Estado da Educação de São Paulo (2009-2010).
O filho de libaneses e ministro Fernando Haddad, do PT, culto, bacharel em Direito, mestre em Economia, doutor em Filosofia, sempre pela USP, professor de Ciência Política dessa universidade (anos adiante, também do Insper), iniciou-se na área pública como subsecretário de Finanças e Desenvolvimento Econômico do município de São Paulo (governo Marta Suplicy), após uma passagem pelo setor privado como analista de investimento do Unibanco. Adiante, no primeiro governo do presidente Lula, compôs a equipe do ministro Guido Mântega, do Planejamento e Gestão, sendo o autor do projeto-de-lei dispondo sobre a criação das Parcerias Público-Privadas (PPP). O presidente o projetou nacionalmente ao convidá-lo, em 2005, para ocupar o cargo de ministro da Educação. Após sete anos à frente da Pasta, seria eleito prefeito de São Paulo (2013 a 2016). Fez excelente governo. Seguiu-se a candidatura a presidente da República, em 2018. Em condições tão desfavoráveis, à época, levou a disputa ao segundo turno. Ao lado do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin e coordenador da transição, após resolver, com êxito notável, a decisiva “PEC da Transição”, em janeiro de 2023 assumiu o cargo de ministro da Fazenda. O tucano e o petista foram os melhores ministros da Educação do país.
Paulo Renato, de modo semelhante ao presidente FHC, dispôs de céu de brigadeiro político no Congresso Nacional durante os ininterruptos oito anos de sua gestão à frente do MEC. Como Haddad, compunha-se bem com o Parlamento. O centrão, hoje, um leão voraz, encontrava-se, à época, em estado de hibernação, ainda com as vestes de uma “bela adormecida”, contido nas incubadoras dos poderosos PMDB e PFL, então detentores reais dos comandos de suas bancadas. Eles e o então todo poderoso PSDB, formavam o triunvirato partidário que, de fato, concentrava os comandos da Câmara e do Senado. Na ocasião, não havia nem redes sociais, nem emendas milionárias. Os cardeais políticos preponderavam no Congresso Nacional. O presidencialismo de coalizão multipartidário funcionava bem.
O problema político do bom ministro Paulo Renato encontrava-se no voluntarismo esclarecido do próprio ministro, no modo de se relacionar com as oposições e com a sociedade civil. Mais ministro técnico que ministro político, fez política movido decisivamente pela ética da convicção (a do intelectual puro). Suas ideias sobre a reforma das universidades federais e dos CEFETs e suas atípicas fundações universitárias, determinaram o seu modo solitário de decidir e de agir, como se ideias e vontade, por si, movessem montanhas e obtivessem automático apoio. O voluntarismo esclarecido o colocaria na berlinda do confronto aberto com as comunidades universitárias e com os CEFETs, Brasil afora. Gaúcho, imaginara ocupar e decidir toda a cena em um só ato. Como se diz, “amarrou o cavalo no obelisco” e cercou a praça! Não se deu conta de que, ao redor e em toda parte, a praça já estava cercada pelos estudantes e pelos professores dos CEFETs brasileiros, enquanto as universidades federais ardiam em descontentamentos. Perderia toda condição de se afirmar como um líder político.
Nos governos FHC, como o orçamento era draconianamente regido pela severa e canônica política fiscal do ministro da Fazenda Pedro Malan, o ministro da Educação Paulo Renato, ao contrário da gestão de Haddad, administrou escassez. Submeteu-se à supremacia da Fazenda. As demandas eram sistematicamente não atendidas por falta de meios. Provisão adicional, insuficiente, vinha de empréstimos junto às agências multilaterais, o Banco Mundial (BIRD) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Daí, a situação potencial de crises, a despeito da alta resolutividade de sua gestão no que concerne ao Ensino Fundamental. A “revolução gerencial” (ver o artigo I) tão bem empreendida por ele, lhe granjeara respeito no Congresso Nacional, no governo, e junto ao Conselho Nacional de Secretários de Estado da Educação e à União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME). Além do orçamento estrito, não dispôs de nenhum dinheiro adicional para investimento, custeio e expansão. Auxiliava os Estados em condições para obterem financiamentos junto às agências bilaterais de desenvolvimento. Não dispunha de margem para empreender negociações. Fez a “revolução gerencial”, direcionou o foco do MEC para o Ensino Fundamental. Junto com o então senador Darcy Ribeiro, teve papel preponderante na formulação e aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 1996), criou o FUNDEF, e, com ele, fomentou a municipalização das séries iniciais do Ensino Fundamental e a cooperação entre os Estados e os Municípios. Reorganizou o SAEB, criou o ENEM e dispôs ao país os Parâmetros Curriculares Nacionais. Nesse sentido propositivo e inovador, triunfou sobre a escassez. Corajosamente, implantou o “Provão”, o Exame Nacional de Cursos, aplicado aos graduados em cursos superiores para a aferição da qualidade de cada curso. Foi um grande ministro. Contudo, não empreendeu, nem liderou, em necessária articulação com os entes federativos, a necessária revolução propriamente educacional. O foco no Ensino Fundamental e a situação de escassez resultaram em ausências de políticas e de ação direcionadas à Educação Infantil, ao Ensino Médio e à Educação Profissional e Tecnológica, invisíveis em sua gestão.
O estilo de Fernando Haddad e o contexto
Fernando Haddad, ministro da Educação nos governos Lula I e II e início do governo Dilma I, subiu sobre os ombros do gigante da época “tucana”, e enxergou bem longe. Viu muito além do horizonte que lhe havia sido descortinado. Como líder e reformador, foi mais virtuoso, politicamente mais influente e decisivo. Fez-se dirigente pleno do orçamento da área, por ele mais que triplicado em sete anos: de R$ 33,3 bilhões, em 2003, início do governo Lula I, a aproximados R$ 110,0 bilhões, em 2011, um espetacular crescimento de cerca de 210,0%. Tudo conquistou; tudo pôde fazer. Soube vislumbrar as oportunidades; delas, fazer realidades em construção. Mais que oportunidades, “criou” novas realidades, como a verdadeira revolução na área, até então inexplorada, da Educação Profissional e Tecnológica. Conquistou as graças do presidente Lula e “ganhou todas” as veneráveis “batalhas” domésticas por recursos junto ao trio de ministros Antônio Palocci, da Fazenda, Guido Mantega, do Planejamento e Gestão, e Dilma Rousseff, da Casa Civil. Em educação, fez da época, uma épica, em realizações. Ah, redarguiria um crítico, desfrutou o “céu de brigadeiro” internacional das commodities! Fato! Entretanto, o fato que conta é que soube fazer do céu de brigadeiro das commodities, céu de brigadeiro de notáveis realizações em educação.
Coordenou uma “revolução dentro da revolução”, ampliando a inclusão universal, até então restrita ao Ensino Fundamental, em todas as direções, da Educação Infantil ao ensino superior (criação de novas universidades e de novos campis de expansão das já existentes) e à pós-graduação. Estabeleceu a sua longa e profícua gestão também como portadora de futuro para que, adiante, os sucessores pudessem fazer a travessia e pelo menos iniciarem a reclamada e sempre adiada segunda revolução na educação básica, a da qualidade do aprendizado em busca da proficiência do aluno e da excelência, todavia, até os dias de hoje, ainda não alcançada. Persistiu na realização das conferências nacionais de educação, perseverou na elaboração e fez propulsora implementação do Plano Decenal Nacional de Educação: 2005-2014, em cooperação ampla, tripartite, com os Estados e os Municípios. Articulava-se muito bem com o CONSED e a UNDIME, assim como com o Fórum de Reitores das universidades. De forma dialógica e politicamente inclusiva, desenvolveu e praticamente concluiu a realização da primeira revolução, a universalização do acesso e provisão suficiente de meios.
Em continuidade, a universalização do acesso à educação pré-escolar seria plenamente alcançada durante o primeiro governo Dilma Rousseff. Mérito da presidente, que fixara essa prioridade. Em 2007, Haddad garantiu o ingresso, a permanência e condições de aprendizagem a milhões de alunos deficientes, antes invisíveis. Como um direito, passaram a frequentar as escolas públicas regulares de educação básica, um feito notável. No que concerne à universalização, especificamente, o déficit por ele legado refere-se à ausência, portanto, a não implementação, de uma política pública de incentivo à implantação da escola em tempo integral, incumbência dos Estados, uma agenda que entraria na ordem do dia somente a partir da aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) e da Reforma do Ensino Médio (2017, revista em 2024). A lacuna seria intencionalmente preenchida com a proposição, pelo MEC, e a aprovação pelo Congresso Nacional, da Lei Federal no. 14.640, de 31/07/2023, dispondo sobre o Programa Escola em Tempo Integral, associado ao inventivo Programa Pé de Meia (2024), uma bolsa-poupança destinada aos alunos pobres do Ensino Médio, consistente com a Meta 6 do Plano Nacional de Educação 2014-2024, um feito do governo Lula III e do atual ministro da Educação Camilo Santana.
Venturas da gestão Haddad
Na gestão Haddad, foram institucionalizadas ações estruturadas e estruturadoras como a criação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), dispondo a estudantes e futuros professores, de diferentes áreas do conhecimento, a oportunidade de estágios presenciais em escolas públicas, com bolsa. A propósito, com ou sem bolsa, todo aluno universitário que pretenda exercer a docência profissional na educação básica deveria e precisaria vivenciar e transformar em experiência pensada os estágios de formação em escolas públicas. Na esfera do ensino superior, criou o Sistema de Seleção Unificada (SISU), a Universidade Aberta do Brasil, o Programa Universidade para Todos (PROUNI, de inclusão de estudantes pobres), expandiu o FIES, fez o aperfeiçoamento do ENEM – seria elevado à condição de porta de entrada única às universidades, centros universitários e faculdades -, com destaques para a impressionante criação de novas universidades federais no país, em geral interiorizadas e regionalmente distribuídas segundo o princípio de equidade[i], além de assegurar a expansão das já existentes, por meio da criação de novos campi, para culminar com a criação e espetacular expansão dos Institutos Federais de Educação Tecnológica (IFETs).
Com efeito, apresentado aos 16 de julho de 2008, o projeto-de-lei 3775 dispôs sobre a criação de 38 IFETs. Disso, resultou a oferta de 135 mil novas vagas em licenciaturas pluricurriculares e multicampus na área de educação profissional e tecnológica. Dezesseis anos mais tarde, aos 12/03/2024, o governo Lula III iria criar mais 100 (cem) novos Institutos Federais, significando a oferta adicional de 140 mil novas vagas, dessa feita, a maioria em cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, em consonância e articulação com a Reforma do Ensino Médio, revista também em 2024, e com a Lei 14.640, de 31/07/2023, dispondo sobre o Programa Escola em Tempo Integral. O investimento estimado, inscrito no Novo PAC, é da ordem de R$ 3,9 bilhões. Precedentemente, a última expansão estruturada da rede federal de educação profissional e tecnológica ocorrera nos idos de 2014-2015 (governo Dilma Rousseff). Como se observa, a atenção dos governos Lula e Dilma à educação profissional e tecnológica, estabeleceu-se como um padrão de governança dos governos do PT em educação. Significa uma avenida de oportunidades portadora de futuro para jovens e um meio seguro de elevação da produtividade da economia.
Considerados em sua totalidade (universidades federais e IFETs), entre 2005 e 2016, nos governos do PT (Lula I e II e Dilma I e II) foram criados 422 campi, sendo 214 entre 2005 e 2010, além de 208 entre 2011 e 2016. Atualmente, encontram-se em implantação mais 92 unidades. Isso somado, serão 682 campi federais de educação profissional e tecnológica. Em adição, as novas 100 (cem) unidades incluídas no Novo PAC, anunciado em 2024, elevarão o total a 782 campi. Isso tem nome e autoria: lulismo! Sabendo-se que até 2002 o Brasil dispunha de apenas 140 escolas técnicas, entre CEFETs, alguns poucos institutos federais, escolas técnicas vinculadas às universidades e o Colégio Pedro II, o “lulismo” no poder significa, no campo da educação profissional e tecnológica, uma verdadeira revolução, em continuidade. Essas instituições respondem por 1,5 milhão de matrículas, uma revolução na área da educação profissional e tecnológica. A visão de futuro, o senso de justiça ou a paixão social e democrática de Lula orientaram a trajetória; a arquitetura geral, a capacidade de implementação e as entregas, são os méritos singulares do ministro Fernando Haddad. Por tudo isso, dentre os dois grandes, Haddad é o melhor ministro de Educação que o país teve. Entretanto, não sem haver deixado lacunas e um erro, grave.
A história das universidades federais brasileiras descreve e proporciona a comparação das realizações de cada época. Desde a fundação da primeira universidade brasileira, a UFRJ, em 1920, até 1963 (transcorreram: República Velha; Revolução de 1930 e a democratização, até 1937; Estado Novo, a ditadura de Vargas, de 1937 a 1945); a democracia, de 1945 a 1964), foram criadas no Brasil 20 universidades federais, 10 delas no governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek (1956-1960). No período da ditadura militar, em 21 anos, em período de intensíssima migração campo-cidades e de urbanização acelerada, foram criadas 16 universidades federais, em medida ponderável em resposta e como contenção ao poderoso movimento estudantil de 1967-68, sufocado pelo AI-5 (13/12/1968) e pela repressão policial-militar. Os governos tucanos de FHC criaram, em oito anos, seis universidades, cinco delas em 2002. Como se comprova, em apenas onze anos, os governos Lula I e II, sobretudo, e os governos Dilma Rousseff, criaram 18 universidades federais, além de expandirem a oferta em centenas de campis diversos. Os governos democráticos e desenvolvimentistas de Juscelino Kubistchek e de Lula foram, comparativamente, os grandes construtores de universidades federais, no país. (Ver: site Linha do Tempo, consulta feita aos 08/01/2025, às 10:40)
Os déficits deixados por Haddad
Patentemente, é um fato inegável que a ênfase da profícua e criativa gestão do ministro da Educação Fernando Haddad encontrou seu lugar ao sol em dois domínios, o ensino superior acadêmico, e, singularmente, de modo daí em diante revolucionário, na educação profissional e tecnológica de nível superior, através dos Institutos Federais de Educação Tecnológica (IFETs). Entretanto, é justo ponderar que, se essa foi a escolha preferencial do ministro, essa também foi, ao mesmo tempo, a escolha preferencial do presidente Lula e de toda ou quase toda a bancada de deputados federais do PT. O presidente Lula queria implantar universidades federais nos interiores do Brasil, em todas as regiões, como, por exemplo, no Vale do Jequitinhonha e do Mucuri, em Minas Gerais ou no Oeste da Bahia, ou no Sul-Sudeste do Pará, no Vale do Cariri, nos pampas gaúchos, e assim por diante.
Que “déficits” ou lacunas a gestão Haddad não solucionou? Enumero:
(i) semelhante à gestão do ministro Paulo Renato, descuidou do Ensino Médio. Na ocasião, não constou da agenda do MEC nenhum propósito de “reforma” do Ensino Médio;
(ii) não atribuiu a necessária e prioritária atenção à reforma dos currículos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. As futuras BNCC e a Reforma do Ensino Médio, que estabeleceram os currículos nacionais vinculatórios para toda a Educação Básica regular, não se inscreveram entre as suas atenções preferenciais e realizações. Seriam aprovadas somente em 2017, durante o governo Michel Temer. Nessa ocasião, na direção educacional do Ministério pontificavam duas importantes e respeitadas profissionais, pesquisadoras da Unicamp, Maria Inês Fini, a autora do ENEM, e Maria Helena Guimarães Castro, ambas da equipe do ex-ministro Paulo Renato de Souza;
(iii) não propôs ou induziu a reforma do currículo de formação inicial (acadêmica) de professores, supostamente uma incumbência das faculdades de Educação, que, intocáveis, prosseguiram aferradas a seu viés de confirmação: formar generalistas e não formar professores! A Base Curricular Nacional de Formação Docente seria aprovada em 2017, também sob a orientação das professoras Fini e Castro;
e, por fim, um erro, grave, um erro com raízes autorais e ideologizantes nas faculdades de Educação, no sindicalismo e seu viés corporativo, e, decisivamente, no “experimentalismo pedagógico” das décadas de 1980 e 1990, a saber:
(v) no ano de 2008, o MEC estabeleceu como um novo cânone que a “idade certa para alfabetizar a criança é até os 8 anos de idade”. A tese implica a adoção pelas escolas do “ciclo” de três anos de alfabetização, na contramão do consenso internacional e das boas práticas de alfabetização, em dois anos. O primeiro experimento do tipo havia sido introduzido em Minas Gerais, na rede estadual, durante o governo de Tancredo Neves, a partir de 1983. Todavia, com os cuidados de monitoramento do aprendizado e com intervenções em tempo real. Anos mais tarde, a adoção pelo MEC do ciclo de alfabetização de três anos iria contribuir para reiterar e referendar a adoção do sistema de ciclos contínuos de aprendizagem associados à ideia de “progressão continuada” na escolaridade, ou, em outras palavras, o fim da reprovação. Fato é que, no curso da década de 1990, os ciclos e a progressão haviam resultado e instituído no país, de modo inercial, a prática ruinosa da “aprovação automática”, estabelecida independentemente do aprendizado esperado. A primeira década do século XXI iria “consolidar” a abominação. O modismo triunfara.
A partir da virtuosa e inovadora criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB, 2007), com o objetivo de medir a qualidade do aprendizado e orientar a proposição de metas, a introdução do fator ou variável “correção do fluxo escolar”, ainda que, comparativamente, com baixíssimo peso ponderado vis-á-vis a ênfase no aprendizado atestado pelos resultados dos alunos na Prova Brasil, iria, inercialmente, contribuir para uma espécie de incentivo à aprovação automática, na prática, sinônimo de “correção do fluxo escolar”. Com efeito, a reprovação estava desaparecendo dos registros escolares. O indicador de eficiência “correlação idade/ano da escolaridade” passara a exibir eficiência de 100%, ou reprovação igual a zero, exceto algum abandono, capitulado como uma forma de “repetência”. Efeito impremeditado, o IDEB (2007), inovação em forma de um indicador sintético da qualidade do aprendizado, de inegáveis benefícios, não obstante, iria indiretamente “encorajar” a fixação inercial da deletéria prática da “aprovação automática”.
Entretanto, é um imperativo de justiça esclarecer que, objetivamente, portanto, de modo não intencional, o maior incentivo, ainda que indireto, às práticas de ciclos e de progressão continuada, data da gestão Paulo Renato, do PSDB. Na ocasião, com base nas pesquisas do excelente professor e estatístico Sérgio Costa Ribeiro, autor do artigo clássico “Pedagogia da Repetência”, o MEC descobrira que a reprovação, então ainda habitual na escola brasileira, somente engendrava mais reprovação, mais insucesso escolar, perda de autoestima do aluno, e, por fim, o abandono escolar. Isso uma vez estabelecido, iria resultar, na prática, e em uma resposta de tipo único, a adoção do modismo do ciclo e a progressão continuada. Intenções generosas à parte, o fato que fica é que as intenções generosas franquearam ou obstruíram a passagem a um perverso subproduto, a prática da “aprovação automática”, uma “saúva” até os dias de hoje preponderante na educação básica pública brasileira. Entre outras, é causa eficiente de nossa duradoura crise na educação básica: a baixa qualidade do ensino e do aprendizado.
(O terceiro e próximo artigo da série irá apresentar a Educação Básica brasileira em números e, nesse âmbito, discorrer sobre as promessas da Constituição de 1988 ainda não cumpridas, com ênfase no déficit de qualidade do aprendizado.)
[i] No período de 2003 a 2014 foram criadas 18 novas universidades federais e 173 campus universitários (expansão das universidades já existentes e, também, das novas universidades. Estas, foram majoritariamente implantadas nas regiões Norte e Nordeste, onde praticamente inexistiam universidades, em geral, nos interiores, em todos os estados. Nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, o critério de equidade e distribuição territorial e interiorização também preponderou. São as seguintes as novas universidades federais criadas pelos governos Lula I e I e Dilma I: Universidade Federal do ABC; Universidade de Ciências da Saúde do Pará; Universidade Federal de Alfenas; Universidade Federal do Triângulo; Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri; Universidade Federal do Semi-Árido; Universidade Tecnológica Federal do Paraná; Universidade Federal da Grande Dourados; Universidade Federal do Recôncavo; Universidade Federal do Tocantins; Universidade Federal do Pampa; Universidade Federal do vale do São Francisco; Universidade Federal da Integração latino-Americana; Universidade federal da Integração Luso-Afro-Brasileira; Universidade Federal do cariri; Universidade Federal do Sul-Sudeste do Pará; Universidade Federal do Oeste da Bahia; Universidade Federal do Sul da Bahia. No mesmo período, foram criados 360 Institutos Federais. Somente o Instituto federal sediado no município de Salinas, no Norte de Minas Gerais, reúne 4,5 mil alunos. A Universidade Federal do recôncavo Baiano, por exemplo, está instalada na forma de cinco campi, em cinco diferentes municípios daquela região do interior da Bahia. De igual forma, a Universidade federal dos vales do Jequitinhonha e do Mucuri tem os campus de Diamantina, o principal (Alto Jequitinhonha), Araçuaí (Médio Jequitinhonha) e Teófilo Otoni (Vale do Mucuri), com impactos culturais e desenvolvimentistas em cerca de 100 municípios do semi-árido de regiões até então socialmente muito desiguais.