Familiares das vítimas do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, apresentaram recurso contra a sentença que absolveu as empresas e pessoas físicas acusadas pelo desastre ocorrido em 2015. A apelação questiona a decisão da Vara Federal Cível e Criminal de Ponte Nova, que em novembro de 2024 inocentou todos os réus, incluindo representantes da Samarco, Vale e BHP Billiton.
O recurso, elaborado pelos advogados Danilo Chammas e Thabata Pena, que representam as famílias de três vítimas fatais, argumenta que a sentença de primeira instância “ignorou provas robustas” apresentadas durante o processo. O recurso alega que “a decisão não considerou adequadamente a extensa documentação técnica e os depoimentos que comprovam a responsabilidade das empresas e de seus dirigentes”.
Na apelação, os advogados que representam as assistentes de acusação do Ministério Público Federal (MPF) destacam que as empresas envolvidas tinham pleno conhecimento dos riscos associados à barragem de Fundão.
A apelação também questiona a interpretação do juiz sobre a legislação ambiental aplicável ao caso. “A sentença adotou uma visão restritiva da responsabilidade ambiental, contrariando jurisprudência consolidada sobre o tema”, argumenta.
A barragem era administrada pela Samarco, mineradora controlada meio a meio pela Vale e pela BHP Billiton.
O processo, iniciado em 2016, tinha como réus executivos e funcionários da Samarco, Vale e BHP Billiton, além das próprias empresas. A denúncia original estava dividida em dois eixos principais: o primeiro relacionado aos danos diretos do rompimento (mortes, lesões corporais e danos ambientais) e o segundo referente a supostas irregularidades em documentos e informações prestadas aos órgãos ambientais.
Ao longo dos oito anos de tramitação, o processo sofreu diversas modificações. Vários réus foram excluídos por decisões em habeas corpus, como José Carlos Martins e Hélio Cabral Moreira. Em 2019, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região determinou o trancamento da ação em relação às acusações de homicídio e lesões corporais para diversos réus.
Em sua sentença absolutória, a juíza Patricia Alencar Teixeira de Carvalho, da Justiça Federal em Ponte Nova, argumentou que não foi possível estabelecer nexo causal entre as condutas individuais e o rompimento: “Após uma longa instrução, os documentos, laudos e testemunhas ouvidas para a elucidação dos fatos não responderam quais as condutas individuais contribuíram de forma direta e determinante para o rompimento da barragem de Fundão.”
A magistrada fez uma reflexão sobre o papel do Direito Penal em casos de desastres: “Impor ao Direito Penal um papel central na gestão de riscos extremos nem sempre é útil, adequado e racional. Quando um risco se concretiza em uma catástrofe colossal, os esforços da investigação deveriam ser prioritariamente dirigidos a descortinar as razões de ordem técnico-científicas que determinaram o evento, para que ele jamais volte a ocorrer.”
A juíza ressaltou que a absolvição criminal não interfere na reparação civil dos danos, mencionando o acordo firmado em outubro de 2024: “Na esfera cível, o acordo histórico assinado no dia 25/10/2024 formaliza a obrigação das empresas Samarco, Vale e BHP com a reparação dos danos decorrentes da tragédia, prevendo um aporte bilionário de recursos.”
Defesa das empresas
Em resposta à apelação, as empresas e pessoas físicas absolvidas em primeira instância reafirmaram sua inocência e a correção da sentença.
A Vale argumenta que:
“Seja à luz de um modelo dogmático de autorresponsabilidade, seja à luz do modelo normativo encampado pela legislação brasileira da heterorresponsabilidade, nenhum elemento há que justifique a imputação deduzida contra a Vale pelo Parquet Federal no âmbito do Conjunto de Fatos 1.”
“Absolutamente nenhum defeito de organização interna havia na Vale, enquanto acionista, que pudesse ter dado causa ou evitado o rompimento de uma estrutura sob responsabilidade operacional de outra empresa, a Samarco; e absolutamente nenhuma conduta fora praticada por um representante da acionista Vale que tivesse algum nexo causal ou de evitação com o rompimento da barragem de Fundão (sendo a própria denúncia, aliás, silente a esse respeito).”
A BHP Billiton Brasil, por sua vez, alega que:
“A sentença absolutória, ao menos no que se refere à Apelada, deve ser mantida na íntegra.”
“O MPF, diante da mais do que comprovada falta de conduta (omissiva ou comissiva) atribuível a qualquer representante legal da BHPB, pretende dar um “by-pass” na Lei e na hipótese acusatória que ele mesmo delineou na denúncia, sustentando a responsabilidade penal da BHPB mesmo que confessadamente não tenha havido a “demonstração de uma infração cometida por seu representante”.”
Já a Samarco aponta que “enquanto non-operated joint venture, “tinha um bom modelo de governança”, com “separação clara de papéis e responsabilidades, as atribuições eram muito bem definidas. Os executivos da SAMARCO executavam, eram os executivos, na essência da palavra” e as acionistas “respeitavam a independência da gestão”.”
Os advogados das empresas e dos réus individuais apresentaram argumentos adicionais para refutar o recurso:
- Ausência de dolo: A defesa alega que não houve intenção deliberada de causar danos, ressaltando que os acusados não poderiam prever o rompimento da barragem.
- Cumprimento das normas: As empresas argumentam que seguiram todas as regulamentações e normas técnicas vigentes à época, incluindo inspeções regulares e manutenção adequada.
- Complexidade técnica: A defesa destaca a complexidade envolvida na gestão de barragens de rejeitos, argumentando que nem sempre é possível antecipar todos os cenários de risco.
- Decisões baseadas em informações disponíveis: Os réus alegam que todas as decisões foram tomadas com base nas melhores informações técnicas disponíveis no momento.
- Investimentos em segurança: As empresas ressaltam os significativos investimentos realizados em medidas de segurança e monitoramento da barragem nos anos anteriores ao desastre.
Próximos passos
O recurso será agora analisado pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6). Não há prazo definido para o julgamento da apelação, mas especialistas estimam que a decisão possa levar meses ou até anos, dada a complexidade do caso.
O rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 5 de novembro de 2015, é considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil. A tragédia resultou na morte de 19 pessoas e causou danos ambientais e socioeconômicos em toda a bacia do Rio Doce, afetando comunidades em Minas Gerais e no Espírito Santo.