A decisão da Justiça Federal que absolveu todos os réus do caso do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), expõe uma falha crucial na estratégia de acusação que acabou beneficiando até mesmo aqueles contra os quais havia provas robustas.
A Polícia Federal havia construído um caso sólido, indiciando nove pessoas físicas e três empresas (Samarco, Vale e VogBR), com base em um conjunto substancial de evidências. O inquérito policial documentou extensivamente que engenheiros, gerentes e diretores tinham pleno conhecimento dos problemas estruturais da barragem, incluindo o descumprimento de limites técnicos de alteamento e o aumento da produção mesmo diante dos riscos.
No entanto, o Ministério Público Federal optou por expandir significativamente o escopo da denúncia, acusando 22 pessoas – mais que o dobro dos indiciados pela PF. Esta estratégia incluiu executivos da BHP e Vale contra os quais as evidências de responsabilidade direta eram mais tênues, enquanto paradoxalmente amenizou acusações contra outros diretores da Vale e VogBR sobre os quais havia provas mais consistentes.
O relatório da Polícia Federal demonstrava, por exemplo, que a Samarco não apenas conhecia os problemas da barragem como também aumentava continuamente a produção e o volume de rejeitos depositados, ignorando limites técnicos de alteamento mensal e anual. A investigação policial também documentou a ausência de um plano de contingência efetivo e a falta de sistemas de alerta para a população.
A sentença da juíza Patricia Alencar Teixeira de Carvalho, ao absolver todos os réus, reflete justamente a dificuldade em estabelecer nexos causais entre as condutas individuais e o desastre – uma vulnerabilidade criada pela própria estratégia expansiva da acusação.
O primeiro sinal desta fragilidade surgiu quando o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) concedeu habeas corpus a diversos executivos da BHP e Vale, em 2019, retirando inclusive as acusações de homicídio do processo. A decisão criou um precedente que acabou beneficiando todos os demais réus.
A denúncia original do MPF estava dividida em dois eixos principais: danos diretos do rompimento (mortes, lesões e danos ambientais) e irregularidades em documentos apresentados aos órgãos ambientais. Ao tentar abranger um escopo muito amplo de responsabilidades, sem evidências suficientes para todas elas, a acusação acabou enfraquecendo até mesmo os casos onde havia provas mais robustas.
É importante ressaltar que esta absolvição na esfera criminal não interfere nas responsabilidades civis das empresas envolvidas, que permanecem obrigadas a reparar os danos causados pelo desastre que matou 19 pessoas e devastou a bacia do Rio Doce em 2015, conforme acordo de repactuação firmado em outubro de 2024.