Os ‘convidados especiais’ do segundo dia de negociação da repactuação de Mariana em Brasília

Movimento dos Atingidos por Barragens e representantes de cidades afetadas puderam apresentar demandas
O líder do MAB, Joceli Andrioli
Joceli Andrioli, do MAB, apresentou demandas de atingidos a negociadores. Foto: Guilherme Bergamini/ALMG

O segundo dia de reuniões sobre a repactuação do desastre de Mariana, ocorrido em 2015, foi marcado por “participações especiais” nessa quarta-feira (7) em Brasília (DF). O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e representantes dos municípios afetados, que inicialmente não estavam incluídos nas negociações, foram convidados para apresentar demandas diretamente aos envolvidos na negociação.

O MAB havia organizado protesto em frente ao Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) e ao hotel onde ocorria a reunião da repactuação. O movimento reclamava da ausência dos atingidos nas negociações. Ao ser informado do protesto, o desembargador Ricardo Rabelo, do TRF6 e mediador da negociação, convidou o grupo para fazer uma declaração aos presentes, que incluíam representantes da Vale, BHP, governos e instituições de justiça.

Joceli Andrioli, líder do MAB, acompanhado de três outros atingidos, aproveitou a oportunidade para fazer uma crítica contundente ao processo.

“Esta mesa já falhou, não representa os interesses dos milhares de atingidos,” declarou, questionando a oferta de R$ 100 bilhões feita pelas mineradoras.

Joceli argumentou que seriam necessários pelo menos R$ 500 bilhões para reparações justas.

O líder do MAB também criticou a estratégia das empresas de boicotar ações individuais, especialmente a “English Claim”, e questionou o papel do IBRAM na interferência do direito dos municípios de litigar fora do Brasil. Joceli enfatizou que, após nove anos, o sistema de justiça brasileiro não conseguiu resolver a questão adequadamente.

Outra participação não programada foi a do presidente do Consórcio de Desenvolvimento Integrado do Vale do Rio Doce (Coridoce), Beto Gariff, prefeito de São José do Goiabal (MG). O convite veio após o consórcio ter enviado uma carta crítica ao desembargador Ricardo Rabelo na semana anterior, cobrando a participação dos municípios e criticando a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) do IBRAM.

Segundo fontes que preferiram não se identificar, a discussão durante a breve participação dos prefeitos se concentrou em questões macro, como a situação do mercúrio na água e a responsabilidade das empresas pela saúde futura da população. “É uma situação de Estado e da União, não apenas dos municípios,” teria afirmado um dos participantes.

Esta nova rodada de negociações da repactuação de Mariana tem gerado pessimismo entre os envolvidos. Há uma percepção generalizada de que as empresas responsáveis pelo desastre estão tentando minimizar suas responsabilidades e reduzir os valores das indenizações.

O juiz Ricardo Rabelo, em resposta às manifestações, agendou uma reunião com o MAB para 5 de setembro de 2024 em Belo Horizonte, coincidindo com uma grande assembleia do movimento que contará com a presença de centenas de atingidos do Espírito Santo e Minas Gerais.

Após a reunião no BHotel, os manifestantes do MAB se dirigiram ao Palácio do Planalto, onde foram recebidos pelo Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo. Durante mais de uma hora, Macêdo ouviu os argumentos do grupo e prometeu levar as demandas ao presidente Lula.

Joceli, do MAB, alertou que a atual proposta de repactuação poderia manchar a imagem internacional do Brasil, especialmente considerando que o país sediará a COP 30 em 2025. Ele argumentou que seria “uma desgraça” se o país assinasse acordos que efetivamente não reparassem este crime socioambiental.

Em junho, O Fator teve acesso a detalhes da última proposta das mineradoras na negociação. Desde então, o poder público pediu alterações e reuniões foram feitas, mas ainda sem novas ofertas.

Detalhamento da Proposta de junho:

Obrigações de Pagar: R$ 82 bilhões
A proposta inclui R$ 82 bilhões em obrigações de pagar ao Poder Público a serem desembolsados ao longo de 20 anos. Estes pagamentos serão feitos em parcelas anuais, iguais e sucessivas, corrigidas pelo IPCA. Deste montante:

Aproximadamente 70% (cerca de R$ 57,4 bilhões) será destinado a beneficiar diretamente as pessoas da região afetada, através de programas como:

  • Programa de transferência de renda para os mais vulneráveis
  • Fortalecimento do sistema de saúde local com a criação de um fundo perpétuo
  • Universalização do saneamento na Bacia do Rio Doce
  • Programa coletivo para Povos e Comunidades Tradicionais elegíveis
  • Repasse direto aos Municípios
  • Fundo de resposta a enchentes
  • Fundo para deliberação direta das comunidades
  • Assessoria Técnica Independente
  • Fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
  • Investimento nas rodovias da região
    Os 30% restantes (cerca de R$ 24,6 bilhões) serão dedicados a outros programas socioambientais geridos pela União e Estados, incluindo iniciativas de desenvolvimento rural, resposta a desastres, adequação às mudanças climáticas, fiscalização de barragens, educação ambiental, cultura e turismo, prevenção à violência doméstica, apoio a microempreendedores e fomento ao crédito rural.
    Obrigações de Fazer: R$ 21 bilhões
    A Samarco permanecerá responsável por obrigações de fazer estimadas em R$ 21 bilhões. Deste valor:

60% (aproximadamente R$ 12,6 bilhões) beneficiará diretamente as pessoas da região, incluindo:

  • Soluções indenizatórias definitivas para pessoas elegíveis
  • Conclusão dos reassentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo
    Os 40% restantes (cerca de R$ 8,4 bilhões) serão destinados a benefícios ambientais diretos, como:
  • Recuperação de 5 mil nascentes
  • Reflorestamento de mais de 40 mil hectares (equivalente a 28 mil campos de futebol)
    Valores já investidos: R$ 37 bilhões
    A proposta reconhece os R$ 37 bilhões já investidos pela Fundação Renova em medidas de reparação e remediação, dos quais:

Segundo as empresas, pelo menos R$ 17 bilhões já beneficiaram diretamente mais de 430 mil pessoas através de indenizações e assistências financeiras.
Condições e Observações Importantes:

Segundo as mineradoras, o aumento da proposta está condicionado a termos, incluindo:

  • Inexigibilidade de gerenciamento de área contaminada
  • Levantamento da restrição à pesca
  • Encerramento das portas indenizatórias com data de corte pretérita (PIM, AFE, Novel e afins)
    A proposta é não vinculante, confidencial e sujeita a aprovações societárias.
    As empresas ressaltam que a oferta busca atender aos principais pleitos do Poder Público, visando a pacificação social e segurança jurídica.
    A proposta é válida apenas no contexto da mediação conduzida pelo TRF-6 e não pode ser usada contra as empresas para fins litigiosos.
    A proposta foi enviada ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região em 11 de junho.

A barragem de Fundão se rompeu em novembro de 2015, matando 19 pessoas e gerando dano ambiental ainda incalculável. A estrutura era administrada pela Samarco, mineradora controlada pela Vale e pela BHP Billiton.

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