Uma sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF), proferida pelo procurador de Justiça André Estevão Ubaldino Pereira, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), gerou polêmica nas redes sociais. Ubaldino disse que 72% dos moradores de comunidades são pessoas negras. A afirmação foi feita durante o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 — que ficou conhecida com “ADPF das favelas” —, na quarta-feira (13).
“Eu estava no plenário quando o arguente fez uma referência que tocou certamente muito fundo em todos nós, ao dizer que cerca de 70% das pessoas vítimas letais da atuação policial em comunidades são pessoas negras. E eu efetivamente me sentiria muito impactado com isso, não fosse o fato de que, consultando dados para compartilhar com amigos da corte, no último Censo do IBGE, lá se percebe que 72.9% dos moradores de comunidades do Brasil, em média, são pessoas negras”, disse o procurador, durante a sessão.
A ADPF em questão remonta a 2020, quando o STF limitou a realização de operações policiais nas comunidades cariocas durante a pandemia de Covid-19 e ainda determinou que o governo do estado do Rio de Janeiro elaborasse um plano para redução da letalidade policial.
André Ubaldino participou da sessão na condição de amicus curiae — expressão latina que significa “amigo da corte”, que permite a terceiros, como pessoas, entidades ou órgãos, participar de processos judiciais para fornecer informações e auxiliar na tomada de decisão do Tribunal.
Após a fala de Ubaldino, o advogado Gabriel de Carvalho, diretor de litigância e incidência da ONG Conectas, que atua na efetivação e ampliação dos direitos humanos e combate às desigualdades, subiu à tribuna manifestando indignação com o discurso.
“É com muita indignação que subo a essa tribuna, tendo que também dialogar com falas que maltratam a dignidade das pessoas negras. Infelizmente, ter que ouvir daqui conteúdos que distorcem dados, que naturalizam a perda de vidas negras”, rebateu.
Os dados citados por Ubaldino constam em nota divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) na última sexta-feira (8). O documento mostra que 56,8% dos moradores de vilas e favelas são pardos e, 16,1%, pretos. O relatório do Censo 2022 aponta ainda que nos últimos 12 anos a quantidade de residentes de cor ou raça branca reduziu, ao mesmo tempo em que a de negros cresceu.
Em resposta a O Fator, o procurador disse que tomou conhecimento da polêmica criada, mas disse que é uma questão “lógica” e não “ideológica”. Segundo ele, o dado da letalidade apenas refletiria a proporcionalidade da população que habita as favelas.
Ubaldino destacou que o Brasil tem uma grande dívida com a população negra que o construiu enquanto nação, e que em vilas e favelas — onde estão uma fração da população negra brasileira — não há a oferta satisfatória de serviços públicos de saúde e educação, e que falas como aquela acabam contribuindo para também afastar as forças de segurança pública.
“Uma das formas de se inibir a presença da polícia é demonizando-a. E uma das formas de se fazer é dizer que polícia só entra em vilas e favelas para matar negros”.
Ubaldino contou que já foi policial Federal e que atuou no Rio de Janeiro, na região da Baixada Fluminense. “Conheço de perto este problema, da espiral de violência que é impressa pelas organizações criminosas e comunidades inteiras, que oprimem e exploram a absoluta maioria de cidadão decentes que moram nestas áreas”.