O secretário nacional do Consumidor, Wadih Damous, anunciou a suspensão de um processo administrativo contra planos de saúde dias antes de ser indicado por Lula para chefiar a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O processo, instaurado com “urgência” em novembro, foi suspenso pelo Ministério da Justiça no mês seguinte. Essa suspensão não foi formalizada em documento. Entre quem observou a situação há quem chame a suspensão de “acordo de cavalheiros”.
O Fator teve acesso à lista de documentos do processo contra os planos de saúde no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do ministério.
No centro da questão estão as rescisões unilaterais indevidas, que motivaram deputados a pedir no ano passado a CPI dos Planos de Saúde. Apesar de protocolada com 310 assinaturas, muito mais do que o mínimo necessário, a CPI nunca foi aberta porque Arthur Lira sentou em cima do pedido.
Um despacho no SEI mostra que a decisão de abrir processo administrativo na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) contra os planos de saúde foi tomada com urgência.
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O processo foi aberto inicialmente contra 15 empresas, entre elas Amil, Bradesco Saúde, Golden Cross, Hapvida, Porto Seguro Saúde, SulAmérica e Unimed Nacional.
Na nota técnica que embasou o processo servidores da Senacon registraram “indícios de afronta às garantias previstas” no Código de Defesa do Consumidor por parte das operadoras.
A Senacon também pediu envio dos autos à ANS, “tendo em vista a constatação de que as normas daquela Agência, em certa medida, estão em desacordo às garantias previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC), norma de instrução superior e principiológica, devendo ser analisada a revisão das mesmas, sendo que esta Secretária (sic) coloca-se à disposição para a abertura de debates e colaboração”.
A crítica à ANS não era novidade.
Em junho de 2023, em audiência pública na Câmara, Wadih contou a deputados: “Nós nos ressentimos muito (…) de uma atuação mais incisiva da ANS, no sentido da regulação”.
Wadih também disse na audiência: “Nós tivemos, nos últimos nove anos, um aumento nos planos de saúde de mais de 350%. Nenhum índice de inflação chega sequer perto disso. E diversas operadoras estão quebrando (…) Hoje, o setor está praticamente concentrado em torno de quatro ou cinco operadoras de plano de saúde”.
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Em dezembro de 2024 Wadih reuniu-se com algumas dessas operadoras. Como mostra sua agenda pública, compareceram representantes da Assim Saúde, Hapvida, SulAmérica e Unidas – todas alvos do processo administrativo. Também compareceu um representante da FenaSaúde, associação integrada por Bradesco Saúde, Porto Seguro Saúde e Unimed Nacional, entre outras.
A reunião foi incomum. Uma pesquisa na agenda completa de Wadih mostra que esta foi sua primeira e única reunião na Senacon com representantes dessas instituições.
Seis dias depois da reunião com os planos de saúde o nome de Wadih Damous apareceu em edição extra do Diário Oficial, com a indicação assinada por Lula para ele ser diretor-presidente da ANS. A nomeação ainda precisa ser confirmada pelo Senado.
Os rumores da indicação de Wadih já circulavam muito antes. No começo de outubro o jornal Jota publicou a notícia “Governo atua para que Wadih Damous deixe Senacon para assumir a ANS”. O Ministério da Justiça disse na época não haver “qualquer movimentação política ou administrativa” nesse sentido.
O Ministério da Justiça disse a O Fator que a reunião com os planos de saúde “teve como objetivo tratar de assuntos gerais e da apresentação dos resultados do monitoramento de mercado sobre os impactos dos cancelamentos unilaterais de contratos e os fundamentos da abertura de processo sancionatório”.
A Secom do Planalto não respondeu se, na data da reunião com os planos de saúde, 10 de dezembro, Wadih já tinha sido informado por Lula que seria indicado para chefiar a ANS.
O Ministério da Justiça disse que “a informação diz respeito à Presidência da República”.
A ANS respondeu que “todas as informações, como ata e documentos referente (sic) à reunião”, devem ser pedidos à Senacon.
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