A história de Paracatu, desde sempre, é a história do massacre do homem negro.
Em três séculos de existência da cidade mais rica em ouro, de todo o planeta terra, o conto que sempre se repete é do ódio da pele pálida contra aqueles de pele escura.
Paracatu é cidade de quilombolas. Nossos antepassados, negros, fugindo dos chicotes dos nossos antepassados mais pálidos, aqui se instalaram há mais de 200 anos.
A ganância do homem branco tomou suas terras e suas casas.
O Vereador Gilson hoje é acusado em inquérito que mal se iniciou, nem mesmo podendo ser chamado de Ação Penal.
O recesso do judiciário impediu que seus pedidos de Habeas Corpus fossem julgados.
O vereador não teve nem mesmo qualquer oportunidade de se defender das injustas acusações que lhe fazem, seja ao ser decretada sua prisão, seja durante a votação de sua cessação.
Mas, como era de se esperar, a branquitude que impera na casa legislativa da cidade não quis perder a oportunidade de calar o preto mais votado e respeitado da comunidade, que sempre usou sua voz em favor dos mais pobres e desfavorecidos.
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
(…)
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão…
(…)
Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
A legislação da Câmara Municipal impede a prática de atos de gestão e administração no período de recesso legislativo.
Curiosamente, aqueles mesmos vereadores que nunca gostaram muito de trabalhar, resolveram ignorar a lei que eles mesmo criaram, e pressionaram a direção da câmara a dar início extemporâneo em seu processo de cassação.
Resolveram também que não lhe dariam o prazo de defesa que tem direito.
Outra lei deste município proíbe qualquer prazo de começar a ser contado antes do mês de fevereiro. Art. 270. Da Lei Orgânica da Câmara dos Vereadores: Os prazos são contínuos e não correm no recesso.
Não se tem história de qualquer homem branco, descendente dos fazendeiros que assassinaram e escravizaram os negros paracatuenses, que roubaram suas terras, história, ritos e cultura, tenha sido processado com tanta pressa por esta câmara municipal!
E olha que na história recente da cidade, tão abundante quanto o ouro de seu solo, são os vereadores com mandatos caçados e condenados por crimes cometidos contra os cofres públicos do município.
“Rubras cascatas
jorravam das costas dos santos
entre cantos e chibatas
Inundando o coração,
do pessoal do povão,
que a exemplo do feiticeiro gritava então
(…)
Salve o navegante negro
Que tem por monumento as
pedras pisadas do cais”
As chibatas que arrancavam sangue de costas pretas, foram trocadas por golpes políticos, que arrancam do povo preto os votos que confiaram, três vezes consecutivas, ao negro mais votado da cidade.
A branquitude não quer que Gilson continue falando pelos outros pretos e pobres da cidade. Não admite imaginar um preto virando prefeito. Afinal de contas, herdaram de seus pais escravocratas, o direito de massacrar os seus escravos.
Gilson era vereador por três mandatos. Nunca foi homem violento. Não se tem notícias de que tenha roubado uma única flor de canteiro.
Seu acusador, por outro lado, é criminoso contumaz, e não se tem indícios de que seja respeitado por qualquer cidadão que seja em Paracatu.
Mas a principal diferença entre ambos é outra: o bandido delator é branco, e o político delatado é negro. Aparentemente os poderosos da cidade confiam mais em um branco criminoso e violento do que em um preto vereador e pacífico.
Tão mais que chegaram a acreditar que um criminoso já envolvido em homicídios e crimes violentos foi ameaçado, e ficou com medo, de um vereador pacífico e honesto.
Natural, não. Super comum pessoas pacíficas ameaçarem bandidos perigosos!
Aos olhos da justiça, Gilson ainda é inocente, e vai poder ser defendido com unhas e dentes.
Mas para os vereadores desta cidade, ele já nasceu culpado. Culpado de ser negro, e culpado de ser pobre. Culpado de ser neto e bisneto dos escravos que fugiram das fazendas dos avôs e bisavôs dos outros políticos da cidade.
Culpado, principalmente, do imperdoável crime de se sentar ao lado dos brancos nas cadeiras onde se decidem os rumos da cidade. Culpado de acreditar que o povo negro deve falar com voz forte na política. Culpado de sonhar em ser prefeito. E, desses crimes, Gilson não tem como se defender.
Não é acusado de nenhum crime contra o município. Nunca foi sequer suspeito de ter roubado dinheiro do povo de Paracatu (o que não se pode dizer de pelo menos duas dúzias de vereadores e ex-vereadores brancos do município).
Mas também não querem deixaram defender seu mandato.
Não querem deixar que defenda o voto do povo preto. Querem julgá-lo sumariamente, com a mesma velocidade dos chicotes de seus antepassados, antes que os juízes tenham a oportunidade de soltá-lo!
Os advogados de Gilson já estão preparando ação judicial contra as absurdas ilegalidades perpetradas pelos vereadores de Paracatu.
Vamos tentar, no limite de nossas forças e conhecimentos para salva-lo da senzala, digo, cela em que se encontra enjaulado.
Mas, infelizmente, nenhum professor ensinou a esse advogado as melhores teses de defesa para aqueles que cometem o hediondo crime de nascer com a pele escura.