Interlocutores do governo de Minas Gerais se amparam em uma recente decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) para acreditar que, caso a Assembleia Legislativa (ALMG) aprove a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retira a obrigatoriedade de promover um referendo antes da venda de estatais, a decisão não será alvo de contestação na Corte.
Isso porque, em outubro, o Tribunal decidiu negar Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) movidas por PT, Psol, PCdoB e PDT para questionar a decisão dos deputados estaduais gaúchos de retirar, da Constituição local, a necessidade de consultar a população sobre desestatizações. No Rio Grande do Sul, a lei falava na convocação de um plebiscito.
Em meio à possível alteração na lei mineira, o Palácio Tiradentes tenta emplacar propostas para privatizar a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). Os dois textos foram apresentados no dia 14 deste mês.
Já a PEC do fim do referendo foi apresentada pelo governador Romeu Zema (Novo) no ano passado. O texto que impõe o fim da obrigatoriedade consulta popular ainda não encontrou consenso entre parlamentares.
Embora plebiscito e referendo tenham características distintas — o primeiro ocorre antes da efetivação de uma lei, enquanto o segundo serve para corroborar ou não uma decisão já tomada — o entendimento no governo do estado é que a decisão do STF sobre o Rio Grande do Sul poderia ser replicada pela Corte em uma eventual judicialização da questão mineira.
Os termos da decisão do STF
Ao protestar contra o fim da consulta popular no Rio Grande do Sul, os partidos apontaram um possível conflito entre a decisão dos deputados estaduais e a Constituição Federal. Segundo o ministro Cristiano Zanin, relator do caso no STF, a lei máxima do país não versa especificamente sobre estatais criadas pelos governos das unidades federativas.
Ao se posicionar a respeito do imbróglio, Zanin citou um voto dado pelo ministro Alexandre de Moraes em 2022. À ocasião, Moraes relatava outra ADI a respeito do fim do plebiscito em solo gaúcho.
“Isso significa que se mantém a obrigatória e necessária participação democrática na tomada de mencionada decisão política, mediante a participação e aprovação de lei pela Assembleia Legislativa gaúcha, eleita e investida para a representação da vontade do povo. Desse modo, não é certo que a supressão da consulta plebiscitária nos processos de privatização da BANRISUL, CORSAN e PROCERGS, promovida pela EC 80/2021, torne a decisão pela eventual desestatização dessas empresas estatais menos democrática, caso eventualmente adotada, nem que a falta da participação popular direta acarretará qualquer ofensa aos direitos fundamentais dos cidadãos gaúchos, ainda mais quando se verifica que o processo continua condicionado à aprovação de lei específica por maioria absoluta da Assembleia Legislativa gaúcha, indo além do que é exigido pela própria Carta Constitucional”, lê-se em trecho do posicionamento.
Em que pese a ausência de consenso quanto a um possível fim do referendo, o vice-governador Mateus Simões (Novo) já afirmou que, para o poder Executivo mineiro, o melhor caminho é desobrigar a realização do pleito.
Segundo Simões, embora o referendo seja “uma burocracia que não existe na venda de nenhuma estatal no Brasil inteiro”, não seria um problema ter de fazê-lo.
“Para nós, continua fazendo mais sentido para o povo de Minas Gerais que a exigência do referendo seja retirada da constituição antes da votação das leis. Mas se a Assembleia concluir ao longo dos próximos meses, que é melhor aprovar a privatização e resubmeter a referendo, nós estamos prontos para isso, já consultamos o TRE no passado, é um custo relevante, mas é um custo que a gente está pronto para enfrentar se for necessário”, defendeu, ao apresentar as propostas de privatização.
Copasa na dianteira
Como já mostrou O Fator, deputados estaduais acreditam mais na possibilidade de privatização da Copasa do que na venda de ações da Cemig. Os textos vão tramitar separadamente e, na visão do governo Zema, será possível promover os dois leilões no segundo semestre do próximo ano.
O projeto sobre a energética gira em torno da transformação da empresa em uma corporation. O modelo permite a pulverização de ações da companhia, mas com o Executivo estadual tendo uma ação preferencial especial, a chamada golden share, que serviria para fazer valer, por exemplo, o poder de veto em decisões estratégicas.
A estatal de saneamento, por sua vez, poderia seguir dois caminhos de desestatização. Um, versa sobre a alienação total ou parcial da fatia do estado na participação societária da empresa. Outro, aborda uma possível “capitalização, mediante o aumento de capital, com renúncia ou cessão, total ou parcial, dos direitos de subscrição”.