O exemplo europeu a ser seguido na regulamentação da Inteligência Artificial pelo Judiciário

Inteligência artificial pode ajudar Judiciário ampliar automatização. Foto: Pixabay

A Inteligência Artificial (IA) deixou de ser um conceito futurista para se tornar uma realidade onipresente em nossas vidas. Desde assistentes virtuais como o ChatGPT até os chips avançados da Nvidia, a IA está remodelando nossa economia, nossa sociedade e até mesmo nossas interações cotidianas de maneiras que seriam inimagináveis há apenas uma década.

Este avanço tecnológico não é apenas uma tendência passageira. As cifras astronômicas movimentadas nas bolsas de valores globais por empresas líderes em semicondutores, como TSMC, Samsung e Intel, além da própria Nvidia, são um testemunho claro da permanência e do crescimento exponencial deste setor. A IA veio para ficar e, a cada dia, se enraíza mais profundamente em nosso tecido social e econômico.

Enquanto a Europa deu um passo decisivo à frente com seu ambicioso Regulamento de Inteligência Artificial, aprovado pelo Parlamento Europeu em março de 2024, o Brasil ainda engatinha nessa discussão crucial. O contraste é gritante: de um lado do Atlântico, temos uma legislação abrangente que classifica sistemas de IA em alto e baixo risco, estabelecendo diretrizes claras para cada categoria; do outro, temos um projeto de lei ainda em debate, correndo o risco de ficar obsoleto antes mesmo de ser aprovado.

A urgência dessa regulamentação no Brasil não poderia ser mais evidente. Nosso sistema judiciário, sobrecarregado com mais de 84 milhões de processos em tramitação e menos de 18.500 magistrados, clama por soluções inovadoras. A IA poderia ser a resposta tão esperada, com potencial para automatizar tarefas repetitivas, agrupar processos similares, identificar precedentes relevantes e, quem sabe, finalmente resolver o enigma da morosidade judicial que há tempos aflige nosso país.

O exemplo europeu nos mostra um caminho possível: proibições claras contra sistemas que exploram vulnerabilidades humanas ou influenciam o livre arbítrio, regulamentações rígidas para IA de alto risco, e um quadro regulatório que busca equilibrar inovação e proteção dos direitos fundamentais. É um modelo que merece nossa atenção e, possivelmente, nossa emulação.

Não podemos nos dar ao luxo de ficar para trás nessa revolução tecnológica. Ao mesmo tempo, não podemos abraçá-la cegamente, ignorando os riscos potenciais. A IA promete eficiência sem precedentes, mas não podemos sacrificar a justiça, a equidade e os direitos individuais no altar da velocidade e da conveniência.

O desafio não é apenas usar a IA para as mais diversas demandas da sociedade, em especial, do Poder Judiciário, mas regulá-la de forma a servir, e não subjugar. Precisamos de um marco regulatório que proteja a privacidade dos cidadãos, previna discriminações algorítmicas e garanta a transparência nas decisões tomadas por sistemas de IA.

Está na hora de a sociedade brasileira acordar para essa realidade e tomar as rédeas desse debate crucial. Precisamos de uma discussão nacional que envolva além dos legisladores e especialistas em tecnologia, toda a gama de juristas, filósofos, sociólogos, ou seja, toda a sociedade civil.

O uso da IA pelas instituições brasileiras deve ser moldado por todos nós, em estrito respeito ao Estado Democrático de Direito.

A declaração do Ministro Luís Roberto Barroso sobre o uso futuro da IA na redação de sentenças judiciais é um sinal claro de que essa tecnologia já está batendo à porta de nossas instituições mais fundamentais. Mas antes que ela entre, precisamos ter certeza de que temos as salvaguardas necessárias em vigor.

A regulamentação da IA no Brasil não é apenas uma questão de eficiência judicial ou inovação tecnológica; é um imperativo ético e social. Precisamos considerar as implicações de longo prazo dessa tecnologia em todos os aspectos de nossa sociedade, desde o mercado de trabalho até a saúde pública, da educação à segurança nacional.

Como dito acima, há urgência na regulamentação do uso da IA pelas instituições nacionais, até para que não ocorra uma precipitação na adoção desenfreada dessa tecnologia. Antes que nossos juízes comecem a usar IA para redigir sentenças, precisamos de um debate amplo e uma legislação robusta que garanta a ética, a transparência e a legalidade dessas aplicações.

Há de ocorrer sua escorreita regulamentação no país, por meio de legislação própria, devidamente debatida junto à Câmara de Deputados e junto ao Senado Federal. Até porque, nas palavras do grande jurista português José de Faria Costa, catedrático na mundialmente respeitada Universidade de Coimbra, “para ser legítima, uma norma jurídica deve poder ser fundamentada, discursivamente, perante o cidadão, não apenas enquanto destinatário, mas também e sobretudo enquanto autor da norma. Autoria que se materializa através dos mecanismos de representação popular, constitucionalmente previstos nas constituições democráticas”.

Um dos pontos cruciais que o Brasil precisa abordar em sua regulamentação é a questão da responsabilidade. Quando um sistema de IA toma uma decisão equivocada, quem é responsável? O desenvolvedor do sistema, a empresa que o implementou, ou o operador humano que o supervisionou? Essas são questões complexas que exigem uma análise jurídica cuidadosa e uma legislação clara.

Em estrita observância aos mais basilares princípios do Direito, as aplicações da IA no pode judiciário brasileiro devem ser lastreadas por lei específica para esse fim, de modo a propiciar à sociedade a certeza de que tais aplicações serão canalizadas para uma trilha estritamente e inafastavelmente ética e legal, e sob a obrigatória e responsável chancela final de um magistrado humano.

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