UFMG deve R$ 14 milhões por Memorial da Anistia após contas reprovadas

Caso foi parar no TCU; governo Lula manteve reprovação integral da prestação de contas, decidida no ministério sob Damares
Memorial da Anistia da UFMG, em BH, inacabado
O Memorial da Anistia da UFMG, inacabado, no Santo Antônio: dívida milionária. Foto: Marcílio Lana/UFMG

A UFMG está devendo mais de R$ 14 milhões ao governo federal pela obra inacabada do Memorial da Anistia, em Belo Horizonte, cuja prestação de contas foi integralmente reprovada pelo Ministério dos Direitos Humanos.

A informação foi obtida por O Fator via Lei de Acesso à Informação após um longo processo. Em notas à imprensa, a universidade não admitiu até hoje que as contas foram reprovadas, nem que o governo cobra a devolução integral do dinheiro repassado.

A UFMG assinou em 2009, durante o segundo mandato de Lula, o contrato para construir o memorial, na antiga sede da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), no bairro Santo Antônio.

Nota técnica do Ministério dos Direitos Humanos, obtida por O Fator, mostra que o valor inicialmente acordado foi de R$ 5,1 milhões. Após seis aditivos, o valor previsto para as obras chegou a mais de R$ 28 milhões.

O projeto previa a reforma do “Coleginho” – onde funcionou a Fafich – e a construção de um prédio anexo, além de uma praça.

Entre 2009 e 2016, o governo federal repassou à UFMG mais de R$ 21 milhões, em 50 parcelas de valores diferentes.

De 2010 a 2017, a UFMG chegou a devolver à União mais de R$ 6,9 milhões, em oito parcelas, por diferentes motivos.

Em 2019, em visita a BH, a então ministra Damares Alves anunciou que a obra estava cancelada.

Trecho de Nota Ténica de 2024 produzida pelo Ministério dos Direitos Humanos.

A diferença entre o valor repassado e o devolvido é de pouco mais de R$ 14,1 milhões, sem levar em conta a inflação.

Uma nota técnica do ministério assinada em junho de 2024 – portanto, no atual governo Lula – mostra que a prestação de contas da UFMG foi reprovada integralmente por um parecer ainda em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, quando a pasta era chefiada por Damares. A atual administração manteve esse entendimento.

“E após reanálise técnica, realizadas por meio dos seguintes documentos (…) por não apresentarem fatos ou esclarecimentos novos aptos a alterar o entendimento anterior, foi mantida a reprovação da prestação de contas do Termo de Cooperação nº 01/2009”, diz o texto.

A reprovação motivou o governo a pedir uma Tomada de Contas Especial no TCU em desfavor dos ex-reitores Ronaldo Tadêu Pena (2006-2010), Clélio Campolina Diniz (2010-2014) e Jaime Arturo Ramírez (2014-2018). Todos são formados na área de Engenharia. O processo no TCU, instaurado em março de 2022, há mais de três anos, está em sigilo. A ouvidoria do tribunal negou pedido de O Fator para ter acesso aos documentos. Em despacho, o ministro-substituto Augusto Sherman Cavalcanti escreveu que “apenas as partes podem ter acesso aos autos de processos de controle externo em andamento”.

O Ministério dos Direitos Humanos, chefiado pela mineira Macaé Evaristo, disse a O Fator que o valor de R$ 6,9 milhões já devolvido pela UFMG “será devidamente deduzido da dívida, conforme demonstrativo de débito” do TCU.

A pasta acrescentou que o TCU “adota, para fins de atualização de débitos em que haja incidência de juros de mora, a Taxa Selic”. O valor de R$ 14,1 milhões, portanto, é apenas nominal e será reajustado com juros.

“Após deliberação do TCU, a atual gestão do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania adotará as providências subsequentes necessárias”, acrescentou.

A UFMG respondeu em nota que o Memorial da Anistia “teve suas obras interrompidas em 2016 por falta de repasses financeiros por parte” do Ministério da Justiça, com o qual o contrato foi assinado. A Nota Técnica obtida por O Fator mostra que, na verdade, o governo fez três repasses em 2016, o último deles em 27 de dezembro, no valor de R$ 1.022.972,58.

Em 2017, após a interrupção das obras, a UFMG devolveu mais de R$ 2 milhões, em três parcelas de valores diferentes. Desde então, não houve outras devoluções.

A UFMG acrescentou que “desde a edição da Medida Provisória nº 870, de 2019 (convertida na Lei nº 13.844, em 18 de junho de 2019), a gestão do memorial passou a ser responsabilidade do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (atual Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania). Dessa forma, qualquer informação atribuída ao Ministério da Justiça está defasada”.

No entanto, como mostra a Nota Técnica obtida por O Fator, o Ministério dos Direitos Humanos na atual gestão manteve o entendimento pela reprovação integral da prestação de contas.

Em julho de 2020 o Estadão revelou que o governo iria cobrar da UFMG o ressarcimento pela obra inacabada do Memorial da Anistia. No entanto, como mostram os documentos obtidos por O Fator, o parecer pela reprovação integral da prestação de contas já tinha sido emitido ainda em 2019. Além disso, o processo no TCU só foi de fato instaurado muito depois, em março de 2022. O Estadão não levou em conta ainda que a UFMG já tinha devolvido quase R$ 7 milhões.

No fim de 2017 a Polícia Federal deflagrou a Operação Esperança Equilibrista, para apurar indícios de desvio de recursos nas obras do memorial. A PF cumpriu 11 mandados de busca e apreensão e nove de condução coercitiva, e chegou a indiciar 11 pessoas. O Ministério Público Federal em Minas Gerais arquivou os inquéritos.

Ronaldo Pena disse a O Fator que se aposentou em 2010 e não se sente “em condições de falar sobre o tema”.

Clélio Campolina Diniz e Jaime Arturo Ramírez não responderam aos nossos contatos.

Leia também:

Obra da Casa da Mulher Brasileira em BH começou 5 anos após emenda

BH tem 48 imóveis vagos largados pelo governo federal

Silvio Almeida manteve abandono do Memorial da Anistia, em BH

Leia também:

Azeredo de volta ao Senado

TJMG rejeita ações que pediam a suspensão do teto de gastos de Zema

Panfletos ‘comunistas’ espalhados após bomba em SP tinham mesmo conteúdo de folhetos que ‘explodiram’ no Norte de Minas

Veja os Stories em @OFatorOficial. Acesse