Imprensa britânica critica julgamento em Londres por barragem de Mariana; ‘dinheiro do contribuinte inglês’

Colunista criticou uso do Judiciário inglês para o caso referente ao colapso de Fundão, em 2015
Tragédia de Mariana, em 2015, deixou 19 mortos. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

A imprensa britânica repercutiu criticamente o início do julgamento contra a mineradora BHP Billiton na Alta Corte de Londres, relacionado ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). O caso, que começou a ser julgado em 21 de outubro, representa a maior ação coletiva já apresentada no Reino Unido, com mais de 620 mil autores que pedem indenização superior a R$ 230 bilhões.

O articulista Sam Bidwell, colunista do jornal The Telegraph, questiona o uso da estrutura judicial britânica para casos estrangeiros em um momento em que o sistema enfrenta graves problemas internos. O jornal destaca que os tribunais do país receberam 1,7 milhão de processos no último ano, com custo operacional de £2,3 bilhões (aproximadamente R$14,26 bilhões), e que os tempos de espera em casos civis e familiares são os mais longos dos últimos cinco anos.

A publicação argumenta que, apesar da BHP já ter firmado acordo de £24,4 bilhões (aproximadamente R$151,28 bilhões) com autoridades brasileiras (referência à repactuação de Mariana), “recursos dos contribuintes britânicos estão sendo utilizados para processar um caso sem conexão direta com o país”.

“Na semana passada, a maior ação coletiva já vista no Reino Unido iniciou sua jornada em nossos sobrecarregados tribunais, com Pogust Goodhead e Gramercy liderando um processo contra a mineradora australiana BHP – apesar do fato de que o caso se refere a um incidente ocorrido no Brasil. Além disso, a BHP já fez um acordo com as autoridades brasileiras, com uma compensação no valor de £24,4 bilhões – grande parte da qual estará acessível aos requerentes no próprio país. E, ainda assim, os contribuintes britânicos continuam financiando os longos procedimentos do caso, enquanto muitas pessoas aqui na Grã-Bretanha tiveram seus próprios casos atrasados, às vezes por meses. É de se admirar que a confiança pública em nosso sistema judicial esteja em colapso?”, escreveu Bidwell.

O julgamento, que deve se estender até 5 de março de 2025, está organizado em diferentes fases:

  • 21 a 25 de outubro: Declarações iniciais das partes
  • 28 de outubro a 15 de novembro: Oitiva de testemunhas da BHP
  • 18 de novembro a 17 de janeiro: Análise de evidências por especialistas em direito brasileiro, incluindo questões ambientais, societárias e de responsabilidade civil
  • Janeiro a fevereiro: Preparação das alegações finais
  • 24 de fevereiro a 5 de março: Apresentação das alegações finais orais

A sentença sobre a responsabilidade da empresa é esperada para o meio de 2025.

O julgamento conta com especialistas brasileiros representando ambas as partes em diferentes áreas do direito, incluindo nomes como Nelson Rosenvald e Gustavo Tepedino para questões de responsabilidade civil, e Ingo Wolfgang Sarlet e Édis Milaré para direito ambiental.

Atingidos em dúvida

A assinatura da repactuação do acordo de Mariana, feita por União, estados de Minas Gerais e Espírito Santo, Ministérios Públicos e Defensorias Públicas na última sexta-feira (25), em Brasília, com as mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, deixaram atingidos em uma “sinuca de bico”.

A grande questão, agora, é que prefeituras e atingidos que escolham por assinar o acordo e receber os repasses de indenização por meio da repactuação, dificilmente conseguirão seguir com os pedidos na Justiça inglesa – que tem como argumento, entre outros, a falha da Justiça brasileira em realizar o reparo e indenização pelo rompimento.

O acordo no Brasil, que totaliza R$ 170 bilhões, estabelece novas diretrizes para a reparação dos prejuízos socioambientais e socioeconômicos. Do valor total, R$ 38 bilhões já foram pagos em ações de reparação desde 2015, R$ 100 bilhões correspondem a novas obrigações de pagar e R$ 32 bilhões referem-se a obrigações de fazer que não estão sujeitas a teto financeiro.

Como já mostrou O Fator, 38 municípios de Minas vão receber a indenização acordada pela repactuação. Ao todo, serão 49 cidades, sendo 11 do Espírito Santo, e com valores distribuídos conforme índice feito pelo Consórcio dos Municípios do Rio Doce (Coridoce).

Na ação ajuizada em Londres contra a mineradora BHP Billiton, feita pelo escritório inglês Pogust Goodhead, o valor total da indenização pedida é de aproximadamente R$ 230 bilhões. Ainda é incerto dizer quanto, em caso de vitória dos representantes dos atingidos, seria destinado aos municípios.

Os valores serão pagos mediante adesão voluntária e individual de cada municípios – o que gera debates sobre a escolha entre a repactuação no Brasil ou aguardar por um desfecho do processo judicial na Inglaterra.

Um contrato enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela a Prefeitura de Pingo D’água, na região do Vale do Rio Doce, assinado com o escritório inglês indica que o valor estimado do honorário seria de R$ 10 milhões.

No último dia 14, o ministro Flávio Dino, relator de uma ação do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) que questiona a constitucionalidade de que municípios acionem mineradoras no exterior, proibiu que municípios brasileiros efetuem qualquer pagamento de honorários advocatícios baseados em cláusulas de êxito (ad exitum) sem prévia análise de legalidade por parte das instâncias soberanas do Estado brasileiro, especialmente o STF. 

No caso da ação em Londres, assinam a representação contra a BHP Billiton mais de 620 mil atingidos, entre municípios, indivíduos, entidades religiosas, comunidades tradicionais e empresas. O valor dos honorários, em caso de êxito no tribunal, varia – para indivíduos, será de 30% do montante a ser recebido. Para empresas, entre 20 a 30%. Já comunidades tradicionais não terão taxa de cobrança.

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