Pelo fim da escala 6×1

No acumulado do ano, Minas Gerais já soma 204.187 novas vagas, superando em 48% todo o resultado de 2023. Foto: Agência Brasil
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Nas últimas semanas ganhou força no debate público nacional a mobilização pelo fim da escala 6×1, que é aquela que a cada seis dias consecutivos de trabalho, o trabalhador tem direito a apenas um dia de descanso por semana. Liderada nas redes sociais pelo influenciador e vereador eleito do Rio de Janeiro, Ricardo Azevedo, que fundou o Movimento “Vida Além do Trabalho”, a mobilização viralizou propondo a revisão dessa jornada para um formato mais equilibrado, tendo em vista o comprometimento à qualidade de vida dos trabalhadores pela exaustão física e mental que ocasiona. A pauta foi encampada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que conseguiu assinaturas nessa quarta-feira, 13 de novembro, para a tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tem por finalidade a redução da jornada de trabalho no Brasil.

Na atual quadra polarizada do Brasil, assim como o engajamento popular de cidadãos nas redes sociais contribuiu para pressionar parlamentares a subscreverem a PEC a favor dos trabalhadores, a oposição a ela também está se encorpando entre parlamentares à direita e corporações econômicas. Sob o argumento de que a redução da jornada poderá trazer prejuízos econômicos ao país, como desemprego e inflação, já que potencialmente elevaria o custo do trabalho aos empresários. Ainda mais com a forma do texto inicial idealizado na PEC, na qual se propõe reduzir a escala de trabalho para 4 x 3, quatro dias de trabalho com três dias de folga, limitando-se a jornada a no máximo 36 horas semanais, ao contrário do atual limite de 44 horas semanais, isto é, a jornada semanal seria reduzida em 8 horas de uma vez.


No entanto, é importante ressaltar que a própria deputada Érika Hilton já deixou claro que a proposta é um pontapé inicial para a discussão com o objetivo de se buscar um denominador comum no Congresso. O processo de debate constitucional sobre a jornada de trabalho apenas teve sua tramitação formalmente iniciada no Congresso Nacional, mas a própria lógica do processo legislativo, subdividido em diversas etapas procedimentais – comissões, plenário, bicameralismo, dois turnos – é a de possibilitar a deliberação adequada e o aprimoramento da proposição. Nesse processo, será possível analisar seus impactos e avaliar seus pontos negativos e positivos, para assim buscar o texto mais pertinente da PEC, que ainda pode ser alterado por emendas, para contemplar os diferentes interesses em jogo. 

A definição da jornada de trabalho vigente ocorreu na Assembleia Constituinte de 1987-88. Até então o Brasil adotava a jornada de 48 horas semanais. A esquerda, associada à defesa dos interesses dos trabalhadores, defendia a redução para 40 horas. A direita, associada à defesa dos interesses dos empresários, resistia. No fim, um compromisso foi acordado pela jornada de 44 horas: o meio-termo possível para a ocasião.

Esse precedente serve para ilustrar que a estratégia de Hilton é inteligente e pode desencadear novas negociações, dado os avanços que a tecnologia proporcionou nas últimas décadas e o contexto de pleno emprego no qual vivemos no Brasil atualmente. Assim, novos compromissos podem ser pactuados: já seria uma vitória para os trabalhadores uma nova jornada máxima semanal de 40 horas, com escala limite de 5×2: cinco dias trabalhados com dois dias de descanso. Daí já se pensar numa transição gradual para uma redução ainda maior para o futuro.


Em 1926, o empresário de sucesso Henry Ford dobrou o fim de semana de um para dois dias em todas suas fábricas de automóveis dentro e fora dos Estados Unidos, contrariando as previsões catastróficas de federações industriais e think tanks. Ele justificou que seus empregados descansados eram mais produtivos e nos momentos de lazer, inclusive consumiam mais, lógica pela qual a economia sairia ganhando. Essa moda se generalizou apenas após a crise de 1929 e a Grande Depressão, com a instituição do programa econômico do New Deal pelo presidente Franklin Delano Roosevelt. Nesse contexto, em 1940, a jornada de 40 horas e o final de semana de dois dias tornaram-se obrigatórios em todo território dos Estados Unidos. O período do pós-Guerra é reconhecido como uma fase de elevada prosperidade econômica. Esse é um dos exemplos relatados no livro “Sexta-feira é o novo sábado: como uma semana de quatro dias pode salvar a economia”, do economista português Pedro Gomes, PhD pela London School of Economics e professor da Universidade de Londres, que elenca diversos motivos para conceder mais tempo livre aos trabalhadores.

Uma das preocupações levantadas pelos críticos da PEC seria o impacto da redução da jornada nos pequenos empreendimentos, que poderiam ter maiores dificuldades para se adaptar à mudança, com a elevação do custo do trabalho. Todavia, em 2020, o IPEA publicou um estudo – de autoria dos economistas Marcos Hecksher e Carlos Henrique Corseuil – no qual defendia que as desonerações fossem focadas em contratos de jornadas mais curtas. O contexto era de pandemia e de crise na economia, com pessoas sem trabalho. Mas é um exemplo de subsídio temporário que poderia ser uma saída para esse processo sem gerar desemprego que é o principal temor, e poderiam ser mais úteis e racionais para a economia que as desonerações indiscriminadas como ocorrem atualmente pelo lobby variado das corporações. Alternativas compensatórias como essa podem ser desenvolvidas para micro e pequenos empresários.


Seja a escala 4×3 ou a mais moderada de 5×2, com jornada de 36 ou de 40 horas, o fato é que a redução da jornada de trabalho poderia proporcionar mais liberdade aos trabalhadores. Ao obterem mais tempo livre, eles poderão usufruir do direito fundamental ao lazer, bem como aumentar seu bem-estar e sua qualidade de vida, por estar mais perto da família e amigos, ou mesmo quem sabe estudarem e se capacitarem mais.


Apesar da virtude liberdade muitas vezes ser sequestrada por conservadores-liberais com o sentido restritivo de uma liberdade empresarial ilimitada, na qual apenas o estado representaria uma ameaça à liberdade com suas medidas e regulações, a verdade é que o preço dessa liberdade econômica significa muitas vezes simultaneamente a diminuição da liberdade do trabalhador, que vende seu tempo por necessidades vitais e é submetido a escalas de trabalhos extenuantes.

 

Por essa razão, pensadores progressistas – de liberais-igualitários e republicanos a socialistas – questionam esse ideal valorativo de liberdade, na medida que não apenas o estado pode ser opressor com o indivíduo, mas também pode haver assimetria de poder e opressão na relação entre privados. O ideal republicano de liberdade envolve a ideia de não-dominação, na qual a verdadeira liberdade é quando não estamos submetidos arbitrariamente a outrem – seja o estado, seja agentes do mercado. Em outra linha, os socialistas, geralmente, defendem a emancipação de trabalhadores da exploração do poder econômico, que mitiga sua liberdade. Em função disso, justifica-se que o estado intervenha nas relações de trabalho, regulando-as por meio de normas jurídicas os direitos dos trabalhadores, como sua jornada laboral. 

Portanto, o fim da escala 6×1 e a redução da jornada de trabalho são pautas que podem ser importantes para tanto para garantir maior dignidade do trabalho, como para proporcionar mais qualidade de vida, bem-estar, lazer e saúde física e mental aos trabalhadores, mas também para a maior realização da virtude da liberdade aos indivíduos em sua esfera privada. 

Lucas Azevedo Paulino

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