O bom de criticar quem eu gosto – e às vezes elogio – é que jamais, em tempo algum, poderei ser adjetivado como “chapa-branca”. Quem me acompanha sabe que tenho essa estranha mania: elogiar o que merece ser elogiado e criticar o que merece, sempre sob minha ótica e conceito, ser criticado.
O senador Cleitinho Azevedo é um – como direi? – fã de longa data. Sempre gostou do que escrevo, mesmo às vezes discordando, o que é pra lá de salutar, diga-se. E a recíproca é mais do que verdadeira. Gosto dele como político, mesmo, igualmente, discordando de muita coisa. Pessoas civilizadas, que se dão bem, agem assim.
Das coisas mais detestáveis, em minha opinião, sobre o senador, é sua insuperável mania de fazer demagogia e proselitismo com quase tudo. Defender com afinco pautas que acredita, ok. Faz bem. Agora, transformar temas complexos em vídeos de TikTok e pedir “para viralizar”, na boa, está longe de ser papel parlamentar.
Emenda pior que soneto
Aliás, já lhe disse mais de uma vez: Cleitinho, você tem a chance de se tornar um estadista. Não a desperdice pelo caminho fácil do sensacionalismo de rede social. Infelizmente, nisso, ele nunca me ouviu. Pena. Além de – infelizmente, também – dar as mãos a gente que defende pautas absurdamente retrógradas e até mesmo desumanas.
A mais nova “sensação” do senador foi um discurso veemente, na tribuna do Senado, atacando a regra trabalhista, agora conhecida por 6×1 (seis dias de trabalho, seguidos de um dia de folga). Cleitinho não apenas defendeu o seu fim como avançou com fúria, invocando o pai e o passado, sobre algo que merece debate, sim, mas não lacração.
Ele e todos que defendem o fim da regra deveriam apresentar estudos decentes a respeito dos impactos sociais e econômicos da medida. O passado é pródigo em ensinar que leis assim pioram a situação, como a famigerada PEC das Domésticas, de Dilma Rousseff, que não apenas aumentou a informalidade como não melhorou a renda das trabalhadoras.
É a produtividade, estúpido
Sempre que o Estado se mete nas relações entre empregador e empregado – fora todo o maldito arcabouço trabalhista, imposto pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), uma estrovenga com mais de 80 anos – é a sociedade que perde. Os serviços pioram, os preços aumentam e apenas o Estado e os políticos se dão bem.
A autora da PEC (Proposta de Emenda Constitucional), que planeja colocar fim à jornada 6×1, admitiu que não tem estudos sobre o impacto da medida. Ora, qual sua finalidade, então, além de mero populismo? Porque desejar melhores salários e mais lazer à população, ela, eu e a torcida do Galo desejamos. Mas não na marreta.
A única forma dessa equação fechar (mais renda com menos trabalho) é através do aumento da produtividade. O tal “ganho de escala”. E isso só é possível com maior qualificação profissional que, por sua vez, advém de melhores ensino – principalmente o básico – e saúde públicos, algo em que somos péssimos.
Incoerência pouca é bobagem
Cleitinho (Republicanos), Erika Hilton (PSOL) – a autora – e todos os parlamentares favoráveis à PEC 6×1 deveriam, portanto, ao invés de medidas populistas, paliativas e danosas à sociedade, se debruçar sobre planos de médio e longo prazos, sustentáveis e viáveis, para criar as condições necessárias de redução de jornada com a manutenção de empregos e salários.
Cleitinho, então, sempre sedizente “liberal”, sempre condenando “a interferência do Estado”, sempre pregando a “liberdade de escolha do indivíduo”, sempre criticando “a esquerda” e todo o blá blá blá que o tornou celebridade e senador eleito com mais de 4.5 milhões de votos (na esteira do bolsonarismo), deveria, por coerência, rever sua posição atual.
Sei que é um tema de apelo popular – e populista – fácil, e se posicionar contrário pode render perda de cacife eleitoral. Mas é nessa hora que separamos homens e meninos, digo, estadistas e populistas. Cleitinho, eu sei, prefere o segundo rótulo. É uma pena, eu repito. É seu direito. Como é meu – de crítico e de quem lhe quer bem – apontar sua incoerência.