Como anda o processo de descaracterização de barragens em Minas

Ao mesmo tempo, cresce o volume de minério que é processado a seco
A cada três meses as empresas emitem um relatório de atividades que, em seguida, é analisado por uma auditoria independente. Foto: Divulgação
A cada três meses as empresas emitem um relatório de atividades que, em seguida, é analisado por uma auditoria independente. Foto: Divulgação

Caminha para se tornar “apenas um retrato na parede”, nas palavras do poeta Carlos Drummond de Andrade, o cenário em que o beneficiamento  de minério de ferro era feita à custa das gigantescas barragens onde era depositado o rejeito.  

O primeiro indicativo vem da descaracterização (ou fechamento) das barragens de rejeitos construídas a montante. Das 54 estruturas com esta forma de alteamento que existiam até fevereiro de 2019, quando da aprovação, pela Assembleia Legislativa de Minas, da Lei 23.291, que ficou popularmente conhecida como “Mar de Lama Nunca Mais”, 19 já foram descaracterizadas. As demais 35 cumprem um cronograma que prevê, até 2035, a desativação total das barragens deste tipo construídas no Estado.

O segundo indicativo, que é uma consequência da pressão pelo fim das barragens,  é o avanço do processamento do minério a seco, processo no qual o rejeito, após a filtragem, é prensado e depositado em pilhas que são, em seguida, cobertas com uma camada de vegetação.

Um terceiro indicativo, que extrapola as exigências contida na lei, vem da CSN Mineração, em Congonhas. Trata-se da desativação da imensa barragem existente nos limites da área urbana da cidade de Congonhas, que seria varrida do mapa caso a estrutura entrasse em colapso.  A barragem, denominada Casa de Pedra, acumula 65 milhões de toneladas de rejeitos, resultado de meio século de operação da mina.

A estrutura foi construída à jusante e, pela lei, não precisaria ser descaracterizada. Porém, segundo Otto Alexandre Levy Reis, diretor de Investimentos da companhia, a barragem também será fechada.

Otto Levy garante que a Casa de Pedra é tão segura que é capaz de suportar um terremoto de sete graus sem que sofra nenhum dano. Ele lembra que recentemente, foi registrado no município um tremor de terra de três graus. Ocorreu uma corrida de técnicos à cidade para avaliar se algum dano havia sido causado à barragem Casa de Pedra. Nada foi registrado. “Nem piscou”, afirma Otto Levy.

O que é o fechamento?

O fechamento de uma barragem é uma complexa operação de engenharia que envolve várias etapas. A primeira delas é a realização de sondagens para definir as características geotécnicas da estrutura a ser desativada. Feito isso, é elaborado o projeto de engenharia, que tem que ser enviado para avaliação pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), pela Agência Nacional de Mineração (ANM) e pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam).

Aprovado o projeto, começa sua execução, cujo primeiro passo é a construção de um canal de drenagem, ou canal de cintura, ao redor da barragem. O objetivo é evitar que aquela estrutura continue a receber, por exemplo, água de chuva, já que, em geral, as barragens são construídas em vales e, naturalmente, funcionam como local de armazenamento de parte dessa água.

O projeto de engenharia irá definir o modelo de fechamento, que pode ser de três tipos. Em um deles ocorre a retirada total dos rejeitos e sua transferência para outro local, onde é empilhado em camadas de 30 centímetros. Após a deposição do rejeito, este é prensado até que tenha o mesmo nível de compactação de uma rodovia.

Em seguida, uma nova camada é depositada sobre aquela que havia sido compactada até que a pilha atinja a altura definida pelo projeto de engenharia. Trata-se, como ressalta Otto Levy, de um processo que não pode ser acelerado. Por isso, segundo ele, é que a descaracterização da mina Casa de Pedra deverá durar algumas décadas, pois cada camada de 30 centímetros demora entre dez a 14 dias para ser completada.

No modelo em que ocorre a retirada total dos rejeitos e do próprio barramento, a área retorna à conformação que tinha antes. O local é revegetado e, após algum tempo, ninguém irá imaginar que no local havia uma barragem de contenção de rejeitos de mineração.

No segundo modelo de descaracterização, é feita a retirada parcial dos rejeitos e implementadas medidas que garantam a estabilidade, a longo prazo, do barramento remanescente do ponto de vista de sua estrutura física e hidráulica. No terceiro modelo, não há retirada dos rejeitos. O que é feito é um reforço na frente do barramento, algo como se fosse uma segunda barragem colada àquela primeira e, ao mesmo tempo, a impermeabilização do reservatório, para que não receba mais água.  

Processo complexo

Maior empresa de mineração do país, a Vale possuía, em janeiro de 2019, quando rompimento da barragem de contenção de rejeitos da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, 30 estruturas construídas a montante. Destas 30, dezesseis já foram descaracterizadas, havendo outras 14 com previsão de fechamento até 2035, conforma consta no cronograma acertado pela Companhia com a Feam e  MPMG.

Recentemente, a empresa concluiu a eliminação do dique 1B, da barragem de Conceição, em Itabira – cidade da região Central de Minas onde, há 80 anos, nasceu a empresa nasceu. O dique 1A, que faz parte da mesma estrutura, deverá ser eliminado até dezembro, segundo informação da Companhia.  O Dique 1B é a sétima estrutura a montante em Itabira a ter suas obras de descaracterização finalizadas. A empresa encerrou também a descaracterização das barragens B3 e B4 em Nova Lima, ao Sul de Belo Horizonte.

Anteriormente, os diques 2, 3, 4 e 5 do Sistema Pontal; a barragem de Ipoema, na Mina do Meio; e o dique Rio do Peixe, na mina de Conceição, já haviam sido eliminados. Com isso, até dezembro, a previsão da Vale é de que 80% do programa de descaracterização das estruturas a montante existentes em Itabira concluído.

Frank Pereira, diretor de Engenharia de Projetos Geotécnicos da Vale, ressalta que o fechamento de uma barragem é um processo complexo para o qual há algumas premissas que levam em conta as características específicas de cada uma das estruturas, como a topografia e a altura, entre outras variáveis. “Cada uma delas é um desafio. Para cada uma delas, a gente tem um projeto específico. Não há uma receita de bolo”, explica Frank Pereira.

A CSN Mineração possuía cinco barragens a montante. Destas, já descaracterizou duas – a barragem do Vigia e a barragem Auxiliar do Vigia, ambas em Rio Acima, no Quadrilátero Ferrífero, ao sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Em outras duas, a B2 e  B2A, as obras já foram iniciadas. O prazo para a B2A termina no final de 2026, e para B2, dois anos depois, em 2028, quando também chega ao fim  cronograma de descaracterização da outra barragem da empresa, a B4, cuja etapa 1, a de construção do canal de drenagem, já foi concluída.

Busca por informações

A Mineração Morro do Ipê é uma empresa nova no setor. Para iniciar suas operações, adquiriu as minas que eram do empresário Eik Batista em Igarapé, Brumadinho e São Joaquim de Bicas, também no Quadrilátero Ferrífero, ao sul da RMBH. Cristiano Parreiras, diretor de Assuntos Corporativos e Sustentabilidade da empresa, revela que quando da transferência dos ativos, não havia muita informação disponível sobre a situação das barragens. “A documentação era muito precária”, explica Cristiano Parreiras.

Diante desse cenário, o primeiro passou foi fazer uma grande operação de sondagem com o objetivo de conhecer as fundações das barragens, bem como o método construtivo adotado – se a montante ou a jusante. O passo seguinte foi a instalação dos equipamentos – piezômetros, indicadores de nível de água e sismógrafos – que fazem, em tempo real, o monitoramento da barragem, de forma a detectar possíveis problemas e, ao mesmo tempo, ter como agir rapidamente, caso uma eventual situação de emergência venha a ocorrer.

Feito o retrato de cada barragem, o próximo passo é a definição do modelo a ser adotado. Segundo Cristiano Parreiras, a descaracterização da barragem B2 Tico-Tico, localizada em Igarapé, se iniciou em julho e tem previsão de ser finalizada em 2026, com um ano de monitoramento após a eliminação da estrutura. Após a remoção da barragem, a área será restaurada com plantio de vegetação para retorno ao meio ambiente. No cronograma enviado ao MPMG pela Morro do Ipê, o início da descaracterização das barragem B1 Auxiliar, em Igarapé, e B1 Ipê, em Brumadinho, se dará em 2025. Até o momento, cerca de 400 mil toneladas de rejeito já foram retiradas da B2 Tico-Tico.

Custos

A descaracterização de uma barragem é uma obra de engenharia de alto custo. Somente o fechamento da B4, da CSN, irá custar, segundo estimativa de Otto Levy, R$ 1 bilhão. Desde 2019, a Vale desembolsou R$ 9 bilhões com o programa de descaracterização e fechou o ano passado com um saldo R$ 3,5 bilhões para investimento no programa até o fechamento das últimas estruturas, em 2035.

A descaracterização também é uma fonte de geração de emprego e renda no entorno das barragens. Isso porque a atividade demanda a contratação de profissionais específicos que não são os mesmo da operação da mineradora. São empresas de engenharia e projetos, locação de equipamentos e fornecedores de insumos como cimento, brita e mudas para revegetação da área onde anteriormente se localizava a barragem.

A descaracterização das barragens fará com que a CSN passe a ter 100% de sua operação a seco, com o uso de filtros-prensas, que até recentemente não existiam em tamanhos maiores de forma a atender à demanda da mineração de ferro. Com a pressão para que as barragens de rejeitos sejam fechadas, a indústria deste tipo de equipamento passou a oferecê-lo em tamanhos maiores. Na CSN, em Congonhas, estão em operação 13 filtros, como um de reserva.

O processamento a seco – que dispensa o uso de água no beneficiamento do minério de ferro e não gera rejeitos – já responde por quase 80% da produção da Vale no Brasil, contra 40% em 2014. De janeiro a setembro de 2023, cerca de 78% da produção de minério de ferro da empresa foi a seco. Do total de 216 milhões de toneladas do mineral produzidas no período, cerca de 168 milhões de toneladas não geraram rejeitos.

O processamento do minério de ferro sem uso de água já predomina nas operações de Minas Gerais. Até setembro de 2023, a produção a seco da Vale no estado foi de 54% no acumulado do ano, mais que o dobro em relação aos 20% em 2016. No Pará, 96% da produção de minério de ferro foi a seco, entre janeiro e setembro de 2023.

A Vale também está investindo em novas tecnologias para ampliar o beneficiamento a seco, como é o caso da concentração magnética de minérios de baixo teor de ferro. A tecnologia é desenvolvida pela New Steel, empresa adquirida pela Vale em 2018. A primeira planta industrial de concentração magnética está em fase de implantação na mina Vargem Grande, em Nova Lima (MG), com capacidade de produção de 1,5 milhão de toneladas por ano.

A mudança no modelo de operação das mineradoras de ferro significou para as empresas um aumento expressivo no custo de produção, que saltou, segundo Otto Levy, de R$ 1 a tonelada para colocar o rejeito na barragem, para R$ 18 a tonelada, que é quanto custa fazer o empilhamento do mesmo volume. Com isso, qualquer operação que resulte em custo de produção superior a 55 dólares a tonelada de minério de ferro já não é, segundo o diretor da CSN Mineração, mais viável por que irá se aproximar muito da cotação da tonelada do produto no mercado internacional, que é hoje de aproximadamente 85 dólares a tonelada.

Ministério Público acompanha

Segundo o promotor de Justiça Lucas Trindade, coordenador Estadual de Meio Ambiente e Mineração do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do MPMG, os termos de compromisso assinados com a empresas mineradoras estão sendo cumpridos sem maiores problemas.

A cada três meses as empresas emitem um relatório de atividades que, em seguida, é analisado por uma auditoria independente. Também são realizadas vistorias no local. A última foi em abril deste ano e a próxima, segundo Lucas Trindade, será ainda em outubro, antes do início do próximo período chuvoso.

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Encontro contou com a presença de dirigentes do partido e parlamentares do Congresso