Família arrojada, generosa e com veia empreendedora, os Pentagna Guimarães fizeram – e ainda fazem – história em Minas Gerais e no Brasil. No comércio, na indústria, nos setores farmacêutico, têxtil, de geração de energia, navegação, tratamento de couro, mineração, siderurgia, agropecuário e, claro, bancário, o grupo empresarial soube navegar pelas águas nem sempre tão calmas do País, e hoje é um dos maiores e mais ativos da economia nacional.
INÍCIO
Tudo começou com o Coronel Benjamin Guimarães – a quem, sim, o vapor Benjamim Guimarães, patrimônio tombado do Estado, homenageia -, avô do igualmente lendário Flávio Pentagna Guimarães.
Seja você empresário, político, atleticano ou apenas um interessado por personalidades mineiras, certamente ouviu falar do icônico Dr. Flávio – como carinhosa e respeitosamente foi conhecido durante seus gloriosos quase 95 anos de vida.
Aliás, não fosse a inescapável finitude imposta pela natureza humana, estaria, nesta terça-feira, 30 de abril, completando 96 anos de idade, ao lado de seus filhos, netos, bisnetos, amigos, funcionários e milhares de admiradores.
BMG
Dr. Flávio, assim como o pai, Antônio Mourão Guimarães, herdou do avô o tino para bons negócios. Engenheiro civil de formação, banqueiro por vocação, não sabia dizer ao certo quando iniciara no Banco. O pai, Antônio Mourão Guimarães, médico formado na Alemanha, havia criado o Banco de Crédito Predial em 1930, em Belo Horizonte – à época, Flávio tinha apenas dois anos de idade. Em 1936, a Instituição passou a se chamar Banco de Minas Gerais.
Já a sigla BMG foi criada em 1962. Em 1965, Antônio Mourão Guimarães faleceu e a assembleia-geral da empresa elegeu Flávio Pentagna Guimarães, então com apenas 37 anos, como novo presidente.
GENEROSIDADE
Quem conviveu de perto com Dr. Flávio, conta como ele era nos bastidores. Nada muito diferente, aliás, do que o observado em agendas oficiais, reuniões com empresários e políticos, ou nos corredores do Banco. Neste espaço, diga-se, era onde sentia-se inteiramente à vontade para conhecer de perto os funcionários e ajudá-los em momentos de dificuldade.
“Ele era especial, diferente de todos. Exigente, firme, mas extremamente humano, solícito, generoso e respeitoso. Tive a honra de passar alguns momentos a sós com o Dr. Flávio e ouvir suas histórias e ensinamentos. Eu via nele um pouco do meu pai, que perdi em 2005. O meu (pai) tinha sabedoria, mas não tinha cultura, porque estudou apenas até ‘o grupo’; Dr. Flávio tinha sabedoria e cultura”, conta, emocionado, o advogado Marcus Vinícius Vieira, no Banco há 45 anos.
CAUSOS
O Diretor de Relações Institucionais do Grupo Empresarial BMG, Jair Palma Araújo, que conviveu ainda mais de perto com Dr. Flávio Guimarães e que publicará, em breve, um livro de “causos” do amigo empresário, sabe de histórias que, talvez, ninguém mais saiba.
Um dia, já com idade avançada, em uma agenda com o ex-governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, no Palácio Guanabara, Dr. Flávio insistiu em ter a reunião no segundo andar, onde situava-se o gabinete do então chefe do executivo fluminense.
Preocupado com a longa escadaria à frente, Jair pediu aos assessores do governador para que o encontro se realizasse no térreo do edifício, mas que não fosse dito se tratar de um pedido seu, senão, “será bronca na certa”. Porém, com a chegada de Pezão, a primeira fala foi: “vamos fazer a reunião aqui em baixo, conforme pediu o Jair”.
Contrariado, Dr. Flávio insistiu em seguir para o andar superior, mas mesmo com todo apoio e retaguarda dos presentes, suas pernas cansadas sucumbiram na primeira metade da escadaria, quando então sugeriu voltar.
“Dr. Flávio não gostava de mentiras. De jeito nenhum! Quando terminou a reunião, me olhou e disse, rindo, que eu havia escapado da bronca por ele não ter conseguido chegar ao segundo andar”, lembra Jair. “Estava na sua cara a torcida para eu não conseguir subir a escada”, recorda, o executivo, a fala do amigo em meio a carinhosas gargalhadas.
O chefe e amigo ainda faz parte do dia a dia de Jair. “Converso com ele todos os dias. Tenho um retrato dele no corredor da minha casa. Passo por ele e peço que me inspire em tudo o que eu for fazer. Inclusive, sobre os “causos” que estou contando no meu livro. Pergunto se determinada história pode entrar ou não”, conta emocionado.
Quebrando paradigmas
Inspiração. Essa é a palavra que mais ouvimos ao perguntar para as pessoas sobre o legado do Dr. Flávio. Mas esse não é o único (legado) deixado por este visionário. Se hoje o crédito consignado é o que é neste País, muito se deve a Flávio Pentagna Guimarães.
A simplicidade que herdou do pai e do avô o fez enxergar uma lacuna no mercado de crédito no Brasil: o atendimento às classes mais baixas. Foi então que, no fim dos anos 1990, o BMG voltou os olhos para o crédito consignado, que surgia como nova modalidade no sistema financeiro brasileiro.
O investimento, à época, não fora tão expressivo, mas o resultado surpreendeu a todos. “Lembro que tinha fila para virar o quarteirão na sede do nosso prédio lá no Rio de Janeiro”, contou o próprio banqueiro à Revista Encontro, em 2011.
E o que começou com R$ 300 mil, hoje figura na casa dos bilhões de reais. O BMG tornou-se líder no segmento e atraiu gigantes para a modalidade. “Enquanto o BMG divulgava seu novo produto, os grandes bancos atuavam na contramão, fazendo contrapropaganda. Até que tiveram de se render. O argumento do Dr. Flávio estava justamente nos juros , e esse movimento teve um efeito social absurdo. Tirou clientes da marginalidade, do cheque especial, do rotativo do cartão de crédito e, especialmente, dos agiotas”, recorda Marcus Vinícius Vieira, orgulhoso pelo legado.
Um visionário sem igual
A veia empreendedora que se iniciou com o Coronel Benjamin Guimarães e os negócios em diferentes setores, especialmente no varejo, se estendeu para o filho, Antônio Mourão Guimarães, que além da expansão do Banco para o interior do Estado, lá atrás, também já diversificava os investimentos. Dr. Flávio classificava o pai como “um homem muito empreendedor, com grande capacidade de raciocínio e de realizar grandes coisas”.
De fato, Antônio apostara nas áreas de Cultura, por meio da constituição de cineteatros; Mineração, com a compra da Mina da Passagem, em Mariana; Saúde, pela fundação do Hospital da Baleia, e Construção Civil, por meio da construtora Ferreira Guimarães, entre outros empreendimentos e setores.
“Nos anos 1940, papai também foi um dos pioneiros a explorar uma jazida de minério a céu aberto. Foi daí que nasceu a Magnesita S/A, a segunda indústria a se instalar na Cidade Industrial, em Contagem”, recordou Dr. Flávio em entrevista à Viver Brasil, em 2018.
Veia empreendedora que Flávio também herdou. O empresário sempre apostou em áreas disruptivas e era um entusiasta de novidades. Investia em geração de energia, no setor agropecuário (café, milho, feijão, soja, pecuária), alimentício, imobiliário e saúde. E sempre que qualquer funcionário entrava em sua sala, era recebido de forma calorosa com a seguinte pergunta: “Qual a novidade de hoje?”.
“A mesmice, para ele, era condenável. Ele sempre queria o novo e, por isso, sempre correu riscos. Uma vez, chegou em uma agência e ouviu do gerente que aquela era a única unidade que jamais havia dado prejuízo. Qual não foi a surpresa quando Dr. Flávio, então, respondeu: ‘parabéns, mas eu imagino quantos bons negócios não perdemos por isso’”, relembra Jair.
RISCOS
O executivo conta que conviveu com o saudoso Flávio Pentagna Guimarães entre 2001 e 2023, e que uma das principais lições aprendidas durante os anos em que o acompanhou como assessor especial foi, justamente, correr riscos. E mais do que correr riscos, Dr. Flávio viveu, vibrou, aprendeu, ensinou. Trabalhou ativamente até o fim de seus dias quando, em 19 de janeiro de 2023, nos deixou por causas naturais.
No caminho dos riscos, foi precursor do cultivo de café no Cerrado, em uma época em que a grande aposta eram as terras do Sul do Estado. Aliás, um dos segredos do sucesso do mundialmente premiado Guima Café, além da própria origem do grão, de espécie arábica, é a irrigação 100% por gotejamento, outro pioneirismo, diga-se, justamente pela característica do solo do Cerrado.
RELIGIÃO
Homem de muita fé, devoto de Nossa Senhora, pai de Antônio, João, Regina, Ângela e Ricardo, deixou 12 netos e, desde ontem, com o nascimento da Clarinha, filha do neto Flavinho, atual vice-presidente do Banco, 13 bisnetos – Atenção: 13 é Galo!
Sua esposa, Marina Annes Guimarães, faleceu em setembro de 1994. Era ela que liderava o marcante trabalho filantrópico da família. “A veia da filantropia do Grupo veio forte com Dona Marina. Ela liderava diversas ações”, conta Marcus Vinícius Vieira.
Atleticano de corpo, alma e muito coração, era presença certa nos jogos do Galo no Mineirão, especialmente nas décadas de 1970 e 1980. Apaixonado, patrocinou o time, claro. Mas, como amante do futebol e de Minas, não deixou de aportar recursos em outros clubes, incluindo o arquirrival Cruzeiro.
Relevância também no Setor Público
Dr. Flávio também foi presença marcante no meio político, tendo ocupado a Secretaria da Indústria e Comércio e a Secretaria da Ciência e Tecnologia, ambas no Estado de Minas Gerais, onde também foi membro do Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico e Social. No desempenho dessas atividades, instituiu programas de fomento industrial, como o Pró-Indústria, e notabilizou-se por ativar a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).
Para além do perfil de empreendedorismo, dinâmico e administrador capaz, Dr. Flávio Pentagna Guimarães sempre se mostrou sensível aos problemas que afligem os menos afortunados, exercendo atividades beneméritas e filantrópicas junto à diversas obras sociais, como:
- 10 Eventos Ltda (Projeto Show Amigos Hospital da Baleia);
- Agremiação Espírita Casa do Caminho; Associação das Voluntárias da Santa Casa – AVOSC;
- Associação Espírita Cristã Lar da Fraternidade;
- Carmelo da Imaculada Conceição;
- Casa de Caridade São Sebastião;
- Centro Espírita Seara Senhor do Bonfim e Sra. Abadia;
- Cidade dos Meninos São Vicente de Paulo;
- Fundação Benjamim Guimarães (Hospital da Baleia);
- Fundação Santa Casa de Misericórdia;
- Paróquia São Luiz; Hospital Espírita André Luiz;
- Instituto Aletheia;
- Instituto Bom Pastor; Movimento Familiar Cristão;
- Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus;
- Irmã Blandina – Nutrifaz Cesta Ltda.;
- Obras Sociais da Paróquia de São João Evangelista;
- Província Carmelitana de Santo Elias;
- Igreja Renascer;
- Seja – Sociedade Espírita Joanna de Ângelis;
- Soc. Amparo à Pobreza – Recanto da Saudade;
- Soc. Eunice Weaver de B.Horizonte;
- Terra da Sobriedade
E graças a esse legado, atualmente, mais de 500 entidades são beneficiadas por doações de naturezas variadas. Dr. Flávio, assim, permanece vivo, transformando vidas e nos inspirando em seus belos passos.
Pitaco do Kertzman
Li com bastante atenção e interesse especial, mais este brilhante perfil assinado pela nossa não menos brilhante Mara Bianchetti. Por duas razões, que explico.
Um grande amigo de São Paulo, há pouco mais de um ano, me ligou extremamente emocionado ao tomar conhecimento da passagem do Dr. Flávio. Perguntou-me se eu o conhecia, e ao saber que não, passou a me relatar como o convívio com o banqueiro, nos anos 1990 e 2000, especialmente no setor de análise de crédito do BMG, mudara radicalmente sua vida. Hoje, advogado de sucesso na capital paulista, guarda na memória ensinamentos precisos e, mais ainda, afetuosos abraços e palavras de incentivo. Mas não só.
O outro motivo foi uma história que ouvi no dia da inauguração da Arena MRV, a respeito do que seu filho, Ricardo, havia feito pelo Atlético, no início da construção da Cidade do Galo. O interlocutor me contou, que até instalar chuveiros elétricos, meu xará instalou, e que tamanha paixão pelo Clube nasceu justamente pelo amor incondicional do pai pelo maior de Minas. Daí, alucinado que sou pelo Galo, e emocionado que estava – até não poder mais!! – naquele dia, fiquei pensando o que estariam sentindo os filhos, netos e bisnetos deste atleticano imortal.
Há uma frase de que gosto muito, e não sei o autor. Até desconfio que seja eu mesmo, e imagine ter lido em algum lugar: “há vidas tão bem vividas, que suas mortes não merecem ser lamentadas”. Não conheci Dr. Flávio Pentagna Guimarães. Que pena. Hoje também faço aniversário, e ao invés de lamentar sua ausência, irei brindar à sua memória.