O desafio da mobilidade – Parte 1: nas cidades menores, a tarifa zero

Brasil tem 116 municípios com gratuidade no transporte público; orçamento organizado é primeiro passo para adoção do modelo
Foto mostra catraca de ônibus em São Paulo.
Brasil tem 116 cidades com tarifa zero no transporte público. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A vida de Rosemary de Oliveira, de 43 anos, mudou bastante em fevereiro de 2022. Desde essa data, ela não paga mais a passagem de ônibus nos quatro deslocamentos que faz todo dia, de casa para o trabalho, do trabalho para casa e, à noite, de casa para o campus Mariana da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), onde cursa pedagogia. Depois das aulas, a moradora da primeira capital de Minas Gerais faz o último trajeto, que começa na sala de aula e termina na sala de casa.

Já em Cianorte, no noroeste do Panará, a 1,3 mil quilômetros de Mariana em linha reta, o faturamento dos empresários do comércio aumentou a partir de fevereiro de 2022. Mas, afinal, o que um município mineiro e uma cidade paranaense tão distantes entre si têm em comum?

Mariana, de 61 mil habitantes, e Cianorte, de 79 mil, são dois dos 116 municípios brasileiros que praticam a tarifa zero universal em seus sistemas de transporte público. Em Mariana, o fato de não mais pagar a passagem de ônibus não resolveu os problemas financeiros de Rosemary. Mas contribuiu para lhe dar um pouco de tranquilidade no dia a dia.

“Imagina se eu fosse pagar passagem todos os dias. Não sei como faria. Eu ia gastar muito dinheiro com passagens e ficaria muito mais cansada do que já estou”, afirma.

Em Cianorte, o presidente da Associação Comercial e Empresarial de Cianorte (Acic), Mário dos Anjos Neto Filho, não sabe quantificar, em termos percentuais, o quanto o movimento no comércio aumentou após a implantação das isenções na cidade, mas diz que a ampliação do número de pessoas circulando na área central da cidade é visível. Segundo ele, a percepção dos empresários do comércio é de que o aumento é real, pois a tarifa zero permitiu que mais cidadãos, especialmente os que moram nos bairros mais distantes, pudessem ir com maior frequência ao centro da cidade, seja para fazer compras ou apenas a fim de passear com a família.

A tarifa zero é um movimento cujas origens remontam ao início dos anos de 1990, quando a então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina — à época no PT —, encampou a tese da universalização dos bilhetes do transporte coletivo na maior metrópole brasileira. Porém, o projeto não foi adiante, permanecendo em uma espécie de limbo até explodir 23 anos depois, em junho de 2013, quando milhões de brasileiros ocuparam as ruas das cidades pedindo melhorias na saúde, na educação e também na mobilidade.

A um ano da Copa do Mundo do Brasil, eles pediam que esses e outros serviços também fossem “padrão Fifa”, em irônica analogia à qualidade dos estádios construídos para o torneio de futebol.

O rastilho da pólvora que incendiou as cidades brasileiras naquele ano foi aceso na noite de 13 de junho, quando um movimento de jovens contra o aumento de 20 centavos no preço das passagens de ônibus de São Paulo, que havia entrado em vigor no dia 1º daquele mês, foi violentamente reprimido pela polícia. Naquele mesmo dia, as imagens da PM freando o protesto ganharam dimensão nacional, pelas redes sociais e pelos telejornais.  Os gigantescos atos que, nas semanas seguintes, lotaram as ruas das grandes, médias e até pequenas cidades brasileiras, ficaram conhecido como as Jornadas de Junho.

Em que pese a perda de força do movimento com o passar das semanas e o fato de Copa do Mundo ter ocorrido sem grandes contestações, as Jornadas de Junho plantaram a semente do movimento Tarifa Zero, em torno do qual passaram a se alinhar as pessoas que defendem que o direito à mobilidade deve ser igualado à educação, à saúde e à segurança, passando a ser oferecido pelo poder público sem custos à população.

Protestos contra aumento das passagens em São Paulo, há 11 anos, foram rastilho da pólvora do movimento por tarifa zero. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Tarifa zero não era novidade

Em 2013, a tarifa zero não era uma ideia nova. Prova disso é que, antes daquele ano, 15 municípios brasileiros já haviam adotado a universalização do acesso gratuito ao transporte público. O primeiro foi Conchas (SP), cidade de 15 mil habitantes. Lá, a as gratuidades, válidas para os dias úteis, entraram em vigor em 1992.

O que ocorreu nos anos seguintes foi o crescimento, inicialmente lento, dessa ideia. De 2013 a 2020, foram 22 os municípios brasileiros que aderiram ao modelo de tarifa zero universal. Porém a partir de 2021, a subida ganhou contornos avassaladores. Naquele ano, 16 municípios implantaram o benefício; no ano seguinte, foram 18. Em 2023, houve um salto: foram 35 as prefeituras que decidiram utilizar as gratuidades. Neste ano, marcado pela eleição de outubro, a cautela predominou e apenas sete Executivos municipais decidiram liberar, sem custos, as catracas do transporte coletivo.

Dos 116 municípios onde a tarifa zero é universal, o maior é Caucaia, com 355 mil habitantes, na Região Metropolitana de Fortaleza (CE). O menor (3,7 mil habitantes) é Santana do Deserto, na Zona da Mata mineira. Em ambos os casos, a tarifa começou a vigorar no mesmo mês e ano: setembro de 2021. Algumas capitais e municípios de maior porte adotam a tarifa zero parcial, válida para alguns dias semana, geralmente sábados, domingos e feriados; ou cobrindo apenas os ônibus que circulam em determinadas regiões, como as vilas e favelas, em Belo Horizonte.

Em Caucaia, a renda média é de meio salário mínimo: R$ 706. O baixo valor está associado ao fato de grande parte dos moradores do município não possuírem carteira assinada — e, consequentemente, não terem direito ao benefício do vale-transporte, pago pelos empregadores.

Para significativa fatia dos caucaienses, uma tarifa de R$ 4,50 representaria uma despesa de aproximadamente R$ 250 a cada mês. Por isso, segundo o urbanista mineiro Roberto Andrés muitas pessoas não andavam de ônibus por lá.

Andrés é autor do livro “A razão dos centavos” (Zahar, 2023), no qual descreve a insatisfação popular que eclodiu em todo o país em junho de 2013. O urbanista visitou Caucaia recentemente, pois queria conhecer o sistema municipal de transporte. Foi quando descobriu que, embora a cidade fosse banhada pelo Oceano Atlântico, apenas após a concessão das gratuidades que muitos moradores puderam ir à praia.

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Pequenas cidades na dianteira

Entre os 116 municípios que adotaram a tarifa zero universal, há, segundo estudo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), uma ampla predominância – 84 – dos que têm população de até 50 mil habitantes e são classificados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como de pequeno porte. Nesse grupo, que corresponde a 72% das prefeituras optantes pela abolição das passagens com custo, destacam-se os municípios com população entre 20 e 50 mil habitantes, que respondem por quase a metade (51) de todos os 116.

O número contrasta com a quantidade de cidades com mais de 200 mil habitantes que implantaram a tarifa zero universal: apenas duas — além de Caucaia, a lista tem Luziânia, em Goiás. Nenhuma das 26 capitais estaduais consta na relação, que também não tem Brasília (DF).

Municípios de menor porte não costumam enfrentar grandes problemas orçamentários para “zerar” as passagens. Para isso, entretanto, as finanças locais precisam estar razoavelmente em ordem. O estudo da NTU, aponta que o percentual comprometido com a tarifa zero é muito pequeno em relação orçamento total do município, não sendo maior que 3%, como é o caso de Mariana, em Minas, onde reside Rosemary de Oliveira.

Na maior parte dos municípios que responderam à pesquisa da NTU, os gastos para bancar o alívio no bolso dos passageiros equivale a um índice entre 1 e 2% do orçamento municipal. Em Campo Belo (MG) e Eusébio (CE), por exemplo, as despesas com essa rubrica correspondem a 0,3% da arrecadação.

Foi o que fez Pedro Augusto Junqueira Ferraz (PL), prefeito de Leopoldina, na Zona da Mata. A catraca no transporte público do município de 51 mil moradores está liberada desde setembro de 2023. Ele conta que, logo ao assumir a prefeitura, em janeiro de 2021, observou que a empresa concessionária do sistema de ônibus, além de fornecer coletivos antigos, prestava um serviço com muitas lacunas. A empresa ainda reivindicava um subsídio do Executivo municipal, sob a alegação de que várias cidades apostam na injeção de recursos públicos para alavancar a qualidade do modal.

Logo no primeiro ano de mandato, Pedro Augusto foi surpreendido com uma greve dos funcionários da empresa de ônibus. A prefeitura cuidou de informar à viação que greve em serviços essenciais, como o transporte público, era proibido por lei e resolveu recorrer à Justiça, que deu um prazo para que o serviço voltasse a ser oferecido — o que não aconteceu na data estabelecida.

O imbróglio, então, deu ao prefeito de Leopoldina a possibilidade de realizar uma intervenção na empresa. Um pente-fino na garagem apontou ônibus com mecânica comprometida, dívidas tributárias e salários atrasados. Pedro, então, montou um sistema emergencial, que transportava as pessoas em horários preestabelecidos, tendo a rodoviária da cidade como ponto de referência.

Professores da unidade de Leopoldina do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet), vizinho do terminal, foram os responsáveis pela montagem do programa emergencial. Os docentes sugeriram o uso da rodoviária como ponto de referência e assumiram a tarefa de definir o número de quilômetros necessários para o atendimento diário aos usuários dos ônibus.

Feita essa conta, Pedro Augusto viu que o valor estimado estava dentro da capacidade orçamentária da prefeitura. O próximo passo foi rescindir o contrato com a concessionária e abrir uma licitação para contratar a companhia que iria operar o sistema, baseado em remuneração por quilômetro rodado. Hoje, o poder Executivo gasta R$ 230 mil mensais com a tarifa zero universal na cidade de Leopoldina.

Lá, além da tarifa zero, a prefeitura construiu, ao lado da rodoviária, como local de chegada e partida dos ônibus, um restaurante popular que oferece refeições subsidiadas a R$ 5. Com isso, muitas pessoas, em vez de levarem marmita de casa, preferem, no horário de pausa no trabalho, pegar o ônibus com tarifa zero para comer no restaurante popular.

Cenário conflituoso em Mariana

Em Mariana, o processo foi semelhante ao de Leopoldina, pois a implantação da tarifa zero se deu em um cenário de ruptura entre a prefeitura e a empresa prestadora do serviço, que em 2018 solicitou um reajuste no valor dos bilhetes, congelado desde 2012. Eliabe de Freitas Pereira, supervisor de Transporte Público de Mariana, lembra que a prestadora do serviço queria reajustar a passagem, à época fixada em R$ 2,70, para R$ 3,50. A prefeitura não concordou e as partes chegaram a um consenso por uma tarifa a R$ 3.

Foi em meio ao conflito que a Prefeitura de Mariana decidiu contratar uma consultoria para fazer os estudos com vistas à implantação da tarifa zero. A previsão era adotar o novo modelo em 2020, mas a pandemia de Covid-19 forçou o adiamento. Assim, as gratuidades entraram em cena em fevereiro do ano retrasado.

Em Itapetininga, município de 157 mil habitantes na Região Metropolitana de São Paulo, a implantação da tarifa zero também ocorreu em função de um embate com a antiga operadora do sistema de transporte da cidade. A ineficiência resultou na abertura de um inquérito civil público pelo Ministério Público. Porém, diferentemente de Mariana e Leopoldina, lá a operação do sistema é feita pelo próprio município, que realizou concurso para a contratação dos motoristas e faz a locação de 23 ônibus, a um custo mensal de aproximadamente R$ 500 mil.

As isenções foram implantada por etapas, após a prefeitura assumir o serviço, em dezembro do ano passado. A gratuidade total começou a valer a partir de junho deste ano, após seis meses de experimentação e coleta de dados. Antes do transporte de graça ser implementado em Itapetininga, a média de ocupação dos ônibus era de aproximadamente 20%, número que, após as mudanças chega a alcançar, segundo a prefeitura, 100% nos horários de pico.

Em Cianorte, no Paraná, a transição para a tarifa zero universal também se deu por etapas, só que em um intervalo de tempo maior do que em Itapetininga. A migração durou 11 anos, de 2012 a 2023. Até 2012, o valor da passagem era bancado integralmente pelo usuário. Em outubro daquele ano, entrou em vigor a lei que instituiu o programa Transporte Solidário, por meio da qual a prefeitura passou a arcar com parte das cifras.

Em 2022, a estratégia mudou, de tal forma que, independentemente do custo total, o usuário pagaria sempre R$ 2. Com isso, ao final do modelo subsidiado, do valor total de passagem, que era de R$ 5,81, a prefeitura era responsável por R$ 3,81 — 65%, portanto. Daí para a tarifa zero foi um pulo. Como a concessão seria renovada em 2023, a prefeitura optou por enviar um projeto de lei à Câmara Municipal para mudar as regras de apuração do custo do serviço, passando a remunerar a concessionária por cada quilômetro rodado a exemplo do que foi feito em Mariana e Leopoldina.

Hoje, a tarifa zero universal custa a Cianorte algo em torno R$ 5 milhões ao ano, o que corresponde a cerca de R$ 400 mil ao mês. O montante corresponde a cerca de 1,2% do orçamento anual.

“É um valor tranquilo para o município”, afirma Ana Maria Alves dos Santos, assessora de Planejamento Orçamentário da prefeitura.

Em Leopoldina, que tem 28 mil habitantes a menos, a tarifa zero custa um valor proporcionalmente menor, de R$ 230 mil mensais. Já a situação de Mariana é um tanto quanto distinta. A histórica cidade mineira desembolsa R$ 1,6 milhão ao mês para bancar o programa o programa.

Em Leopoldina, tarifa zero começou em setembro de 2023 e custa R$ 230 mil mensais à prefeitura. Foto: Prefeitura de Leopoldina/Divulgação

Distritos isentos

Mariana gasta mais que Cianorte e Leopoldina pelo fato de a tarifa zero contemplar, também, os 12 distritos do município. Segundo a engenheira de transporte Cristiane Costa Gonçalves, do Departamento Municipal de Trânsito (Demutran), a política pública levou, aos moradores dos distritos, a possibilidade de trabalhar em Mariana e continuar morando nas comunidades — o que antes era visto como impossível, dado o custo de R$ 30 ao dia para viabilizar a locomoção.

“Elas (as pessoas que moram nos distritos) ficavam isoladas e então deixavam de trabalhar”, afirma Cristiane.

Para os distritos, a frequência das viagens varia de acordo com a demanda. Segundo Cristiane, há localidades com oito deslocamentos por dia. Em outros, contudo, há apenas um, com um coletivo partindo para Mariana no início da manhã e voltando ao ponto do primeiro embarque no final da tarde.

Em Leopoldina, que tem cinco distritos – Piacatuba, Tebas, Providência, Abaíba e Ribeiro Junqueira – a tarifa zero é oferecida, por ora, apenas no território da cidade, mas a intenção da prefeitura e passar a oferecer o serviço também para quem mora nas comunidades anexas. Inicialmente, o plano é disponibilizar apenas um horário, com ida para Leopoldina pela manhã e retorno no final da tarde.

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Ideias consolidadas

Mais de três décadas depois que o primeiro município brasileiro instituiu a tarifa zero universal para o transporte público, em 1992, já há algumas realidades consolidadas. A primeira delas é a de que sempre que alguma cidade universaliza a passagem gratuita, a primeira consequência é o aumento imediato da demanda. Com isso, os ônibus, antes vazios, passam a rodar mais cheios, e, às vezes, até superlotados, não sendo raros os casos em há a necessidade de a prefeitura aumentar o número de veículos e de linhas para absorver a ampliação da procura.

Levantamento realizado pela NTU aponta que, em Caucaia (CE), o número de passageiros passou de 510 mil em agosto de 2021 para 2,4 milhões em setembro de 2023. Em pouco mais de um ano, o aumento foi de 371%, o que gerou a necessidade de a prefeitura mudar a rota e, em vez dos 48 ônibus anteriormente em circulação, ampliar a frota para 70.

O mesmo aconteceu em Mariana (MG). Lá, em 2019, o número de passageiros transportados foi de 182.549 mil em março de 2019. Um ano depois, a pandemia derrubou o número para cerca de 29.661. Com a implantação da tarifa zero, houve aumento brutal na quantidade de pessoas transportadas, que passou de 115.285 em janeiro de 2022 para 278.074 no mês seguinte. Nesse novo patamar, houve picos de demanda, como de 443.020 passageiros transportados em agosto de 2023.

Mateus Ramos Camargo da Silva, estudante de jornalismo da Ufop, afirma que o início da implantação da tarifa zero foi muito confuso em Mariana. Segundo ele, a disseminação da ideia de que não era mais preciso pagar para utilizar os ônibus fez com que muitas pessoas passassem a entrar pela porta de trás, quando o certo seria elas continuarem entrando pela porta da frente, para que o número de passageiros que utilizam o sistema pudesse continuar a ser computado.

Ele também conta que o repentino aumento do número de usuários mudou a dinâmica das viagens. “Era bem complicado você se sentir confortável dentro do ônibus, porque era muita gente em pé; era um ônibus sempre lotado”, lembra.

Em Leopoldina, também houve aumento do número de passageiros transportados: de 54 mil, incluindo as gratuidades, para 193 mil. Apesar disso, não foi registrado aumento do número de veículos. Isso significa que os ônibus passaram a rodar mais cheios. Porém, no balanço entre os aspectos positivos e negativos, como a superlotação, tudo indica que prevaleceu a percepção positiva do benefício pela população, já que Pedro Augusto foi reeleito com 87,36% dos votos válidos.

Em Ibirité, município de 170 mil habitantes localizado na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), também ocorreu aumento do número de passageiros transportados, que passou de 170 mil antes da tarifa zero, para 450 mil por mês após a universalização do acesso gratuito. Para atender ao aumento da demanda, foi necessário ampliar o número de linhas, de oito para 14, e de ônibus, de 14 para 24.

O custo mensal do programa é de R$ 1,1 milhão, segundo informação da Prefeitura de Ibirité, maior município de Minas a operar com a tarifa zero no transporte público. Lá, o percentual  de comprometimento da receita com o custeio do serviço aumentou (de 1,5% para 2%) de 2023 para 2024, mas, segundo o Executivo, está dentro da capacidade financeira do poder público.

Nova forma de remuneração

A implantação da tarifa zero obrigou as prefeitura a alterar a forma de remuneração das empresas, que antes tinham a concessão para operar o sistema e ficavam com a receita proveniente do número de passageiros transportados. No modelo anterior, quanto mais passageiros passassem pela catraca dos ônibus, maior era o faturamento. Com a remuneração por quilômetro rodado, a responsabilidade pelo pagamento passou a ser exclusivamente do poder público.

O sistema mais adotado é o do GPS – que monitora em tempo real o trajeto dos ônibus e emite relatórios de quilômetros percorridos. Junto do aparelho localizador, está o tacógrafo, equipamento instalado no ônibus para fazer a mesma função. Nos casos em que ocorre dúvida quanto à quilometragem percorrida, as prefeituras fazem estudo comparativo entre as duas aferições e, com base nisso, chegam a um acordo com as concessionárias.

Em Mariana, os coletivos são acompanhados em tempo real Quando algum deles sai da rota ou não cumpre a viagem contratada, o sistema informa. Assim que a empresa envia as planilhas periódicas com os dados dos itinerários, o Demutran entra no sistema com o GPS e verifica se aquela viagem realmente ocorreu. O único problema, segundo Cristiane Costa Gonçalves, ocorre quando há a perda do sinal de internet, que acontece com mais frequência nas rotas distritais. Nestes casos, a comprovação da viagem é feita pela planilha das viações.

O próximo passo da prefeitura marianense será a eliminação das catracas, que só permanecem porque é necessário fazer a contabilização do número de passageiros transportados, embora isso não tenha nenhuma interferência sobre a remuneração da empresa. A catraca será substituída por um sistema automático que contabiliza o passageiro combinando sensores de presença e câmeras.

Em Cianorte, a aferição das viagens também é feita por meio do GPS combinado com os tacógrafos de cada veículo. Ana Maria dos Santos afirma que às vezes há pequenas diferenças entre um e outro. Nestes casos, a prefeitura remunera a empresa de ônibus pela média da quilometragem registrada pelos dois sistemas.

São Caetano do Sul, em São Paulo, é um dos 116 municípios brasileiros com tarifa zero. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Comitê faz acompanhamento

Além do GPS e do tacógrafo, a Prefeitura de Cianorte tem o apoio de uma comitê formado por três representantes da Câmara de Diretores Lojistas, três de associações de bairro, um da Associação Comercial e Industrial de Cianorte. O poder Executivo também tem um assento no colegiado, que se reúne mensalmente e avalia as reclamações da população, analisa a planilha de custos. Também cabe ao colegiado liberar o pagamento da empresa prestadora do serviço, bem como debater os pedidos de implantação de novas linhas ou mesmo de ampliação das já existentes.

Inicialmente, tinham direito à tarifa zero apenas os moradores do próprio município, que, para isso, precisavam cadastrar para a emissão do cartão usado para passar pela catraca. Depois de algum tempo, a prefeitura decidiu manter o cartão, mas acabou com a restrição de a tarifa zero ser apenas para os residentes em Cianorte. Hoje, qualquer pessoa pode usufruir do benefício, desde que se cadastre e faça o cartão. Ana Maria não considera o sistema perfeito. Para ela, ainda há muito o que evoluir, especialmente em relação aos intervalos entre um ônibus e outro. A despeito dos problemas, ela afirma que os ganhos para a população foram significativos.

Em Cianorte, o número de passageiros praticamente dobrou. Passou de 70 mil em outubro de 2022 para 139 mil em dezembro de 2023. O reforço da frota acompanhou o aumento do número de usuários. Aos 11 ônibus que circulavam antes da implantação da tarifa zero, foram acrescidos outros dois, o que significa que os veículos estão trafegando mais cheios. Ana Maria Alves dos Santos afirma que o município opera o sistema transporte no limite de sua capacidade financeira.

Para aumentar o número de ônibus em circulação seria necessário a prefeitura buscar outras formas de financiamento da tarifa zero. Por isso, pedidos de criação de novas linhas geralmente não são atendidos, segundo Ana Maria, para preservar o equilíbrio financeiro do sistema, que atende, além da cidade de Cianorte, os distritos de Vidigal e São Lourenço.   

Caminho sem volta

A NTU tem acompanhado atentamente a evolução dos municípios que operam com a tarifa zero em seus sistemas de transporte público. Para a entidade, qualquer decisão nesse sentido por parte das prefeitura tem que ser tomada com muita cautela por duas razões. A primeira é que na planilha de custos do sistema tem que estar embutido o valor correspondente ao elevado aumento da demanda que ocorre após a universalização do acesso gratuito.

“Aí, você vai ter que aumentar a frequência dos ônibus, vai ter que aumentar a frota e vai ter que criar novas linhas”, observa Marcos Bicalho, diretor de Gestão da NTU.

O outro fator que Bicalho enumera ao recomendar cautela por parte das prefeituras é que a tarifa zero é um caminho sem volta. Assim, se a administração municipal não fizer os estudos prévios que indiquem condições de arcar com os custos de uma medida deste tipo, melhor é não implantar.

“Para você cancelar uma política destas, haverá um enorme desgaste político e social”, ressalta.

Segundo ele, a recomendação que a NTU tem passado aos prefeitos é no sentido de que qualquer iniciativa do tipo seja precedida de um planejamento muito rigoroso para que se tenha a continuidade da política pública por tempo indeterminado.

“O serviço não pode ser interrompido. Não há como, de uma hora para outra, você dizer ‘olha, nós vamos parar com esse serviço’. Isso não pode acontecer”, encerra.

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Encontro contou com a presença de dirigentes do partido e parlamentares do Congresso