Terras raras, nióbio e lítio: mineração vira linha de frente da transição energética

Minas Gerais lidera corrida pelos minerais estratégicos e atrai empresas estrangeiras em busca de novos pontos de exploração
Foto mostra área de operação subterrânea da CBL, em Araxá.
Imagem mostra área de operação subterrânea da CBL, em Araxá. Foto: Divulgação/CBL

Em pelo menos dois momentos da história do Brasil, a mineração esteve no centro de decisões que mudariam para sempre a fisionomia do país. Primeiro, entre os séculos 18 e 19, quando a mineração de ouro interiorizou a ocupação do extenso vazio do território brasileiro. Além do surgimento de várias cidades – as chamadas “vilas do ouro” – o metal enriqueceu Portugal, ajudando a nação europeia a saldar parte da imensa dívida com a Inglaterra.

No século 20, o minério de ferro extraído na região do Quadrilátero Ferrífero, no coração de Minas Gerais, sustentou a implantação da moderna siderurgia brasileira, sem a qual o desenvolvimento industrial do país a partir dos anos de 1940, com Getúlio Vargas e, posteriormente, Juscelino Kubitscheck, não se sustentaria.

No alvorecer do século 21, Minas Gerais está no centro da terceira revolução mineral de sua história: a que vem acoplada à transição energética para uma economia de baixo carbono. Depois do ouro e do minério de ferro, chegou a vez dos chamados minerais estratégicos – terras raras, nióbio e lítio, entre outros, cujas regras de enquadramento foram colocadas em consulta pública pelo Ministério das Minas e Energia no último dia 22 de janeiro.

Estes três elementos – terras raras, nióbio e lítio – são componentes críticos do percurso rumo às energias limpas. Sem eles, não será possível substituir os motores a combustão por motores elétricos e tampouco produzir as baterias dos carros eletrificados. A tríade é vital, também, para colocar em funcionamentos as turbinas eólicas, que transformam o vento em energia elétrica.

Se, nas eras do ouro e do minério de ferro, as grandes jazidas estavam na Região Central de Minas, agora a história é um pouco diferente, porque as reservas ficam nas extremidades do estado. O nióbio está em Araxá, no Triângulo Mineiro, na região Oeste do estado; as terras raras estão no extremo Sul e também em Araxá. O lítio, por seu turno, cruza o Vale do Vale do Jequitinhonha, no Nordeste de Minas, ainda hoje, a mais pobre região mineira.

O grande desafio que se coloca em relação aos minerais estratégicos é o de desenvolver um modelo de exploração que agregue, cada vez mais, valor à sua cadeia de produção,

Terras raras impulsionam motores elétricos

As terras raras constituem um grupo de 17 elementos químicos que têm esse nome por não estarem disponíveis em grandes concentrações na natureza. Ao mesmo tempo, são de uso indispensável na vida moderna, melhorando a eficiência e o desempenho de smartphones, tablets e laptops. Na indústria de defesa, o conjunto marca presença em sistemas de radar, mísseis e outras tecnologias militares. Há, ainda, pedacinhos das terras nas telas de televisão, lâmpadas de LED e em processos químicos, como a refinação de petróleo.

Além de todos estes usos, as terras raras são imprescindíveis para que o mundo consiga fazer a substituição dos motores a combustão pelos motores elétricos. No motor elétrico, o ímã permanente de terras raras é um componente essencial. É ele que cria um campo magnético constante que interage com a corrente elétrica vinda das baterias. É essa a conexão que gera a força que faz com que o motor gire.

No motor a combustão, esse papel é reservado aos cilindros, que se movimentam com a força gerada pela queima do combustível – gasolina, álcool ou diesel – em seu interior, fazendo a engrenagem girar.

Dos 17 elementos de terras raras existentes na natureza, quatro – neodímio (Nd), praseodímio (Pr), samário (Sm) e cério (Ce) – são utilizados para a produção do ímã permanente, que é, hoje, a principal demanda de mercado para este tipo de mineral. O ímã de neodímio, por exemplo, é um dos mais fortes tipos de ímãs permanentes disponíveis.

A obtenção dos elementos de terras raras é um processo complexo, feito em várias etapas. A primeira consiste no beneficiamento do minério e na produção do carbonato misto de terras raras, no qual estão presentes os 17 elementos juntos. Depois, o carbonato é processado para a geração dos óxidos de terras raras, já com a separação dos 17 elementos, que agora podem ser comercializados individualmente, cada um destinado a um fim específico.

A terceira etapa é a metalização dos óxidos na forma de ligas metálicas, usadas para a produção dos ímãs permanentes, produtos finais das terras raras, da mesma forma que as baterias são os produtos finais do lítio e do nióbio.

As maiores reservas mundiais comprovadas de terras raras estão na China, com 44 milhões de toneladas. O Brasil vem logo a seguir, com 22 milhões de toneladas. Os chineses dominam o mercado global, controlam os preços e impõem restrições à transferência de tecnologia. Por isso, países se lançaram em uma corrida pela busca de outras jazidas de terras raras. Em meio à disputa, Minas desponta com reservas dos elementos em Araxá e no Sul de Minas, na cidade de Poços de Caldas e em Caldas, município vizinho.

Invasão australiana

Na corrida pelas terras raras mineiras, o capital australiano largou na frente. Em Poços de Caldas a Viridis Mineração e Minerais está em processo de instalação. Logo ao lado, na vizinha Caldas, há uma unidade da Meteorics Resources; em Araxá, batem ponto funcionários da Saint George Mining. A Viridis e a Meteorics vão explorar apenas terras raras. A Saint George, além de terras raras, vai explorar nióbio, mineral abundante no chão araxaense.

As terras raras da região de Poços de Caldas levam uma grande vantagem sobre as norte-americanas. É que elas estão incrustadas em argila iônica em vez da rocha dura, simplificando o já explicado processo de separação dos componentes.

Nas áreas de rocha dura, é preciso detonar e moer o minério e usar uma grande quantidade de ácidos em altas temperaturas, aumentando os custos de produção. Nas terras raras de argila, a rocha já foi decomposta pela chuva e pela ação da natureza em milhares de anos, o que torna a separação muito menos complexa.

Nesse ponto, Minas Gerais e a China estão em pé de igualdade: em ambos os casos, as terras raras estão em argila. Mas o nivelamento para por aí, pois a produtividade das jazidas mineiras é muito maior que a das chinesas. Lá, cada tonelada de minério dá origem a algo em torno de 700 a 800 gramas de terras raras. Em Poços de Caldas, a Viridis irá iniciar a lavra obtendo quatro quilos por tonelada, revela o diretor-executivo da companhia, Klaus Petersen.

Estudos da Viridis apontam produção de quatro quilos de terras rara por tonelada, cinco vezes mais que na China Foto: Viridis/Divulgação

Para reforçar o valor estratégico das jazidas de Poços de Caldas, ele cita os valores envolvidos. Em uma mina de rocha dura, a produção de um quilo de terras raras custa por volta de US$ 35 a US$ 40. Na Viridis, será preciso desembolsar apenas US$ 7 pelo mesmo quilo.

“É o melhor minério de terras raras do planeta”, afirma o diretor-executivo da companhia australiana.

Numa alusão a Carajás, no Pará, onde o teor de minério de ferro varia entre 60% e 70%, em um dos maiores percentuais globais, Klaus Petersen afirma que, nas redondezas de Poços de Caldas, está a “Carajás das terras raras”.

No momento, a Viridis está terminando os estudos ambientais exigidos para requerer formalmente ao Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) a licença ambiental para iniciar a exploração da mina. A autorização deve ser concedida em até um ano, permitindo o início das operações em 2026.

Praticamente ao lado da Viridis, mas já em outra cidade, está o projeto da Meteorics, cujo cronograma de entrada em operação está alguns meses à frente. A expectativa da empresa é de que a licença seja concedida no primeiro trimestre de 2025. Inicialmente, o projeto da Meteorics era de ir até o fim da primeira etapa, que é a produção do carbonato misto de terras raras para o mercado fora da China. Mas, ao longo do processo de implantação da empresa, houve uma mudança. Agora, a corporação pretende chegar à segunda etapa, de separação dos óxidos dos elementos utilizados na produção dos ímãs permanentes.  

Marcelo Carvalho, diretor-executivo da Meteorics, revela que a empresa já investiu US$ 80 milhões na empreitada. O plano é injetar entre US$ 400 e US$ 500 milhões até o pontapé inicial do processo de extração das terras raras. Uma provável usina de separação de óxidos, por sua vez, deverá demandar recursos extras da ordem de US$ 250 milhões.

No entendimento de Marcelo, o ponto crucial do investimento em terras raras está na separação dos óxidos, porque trata-se da passagem para uma etapa mais complexa da cadeia de produção, na qual estão as empresas que fazem a metalização. O final do processo produtivo, com a elaboração dos ímãs permanentes, também é tido como essencial. Nesse momento do jogo, entram em cena empresas detentoras de tecnologia, como a WEG e a Stellantis.

A Viridis trabalha para agregar valor à sua cadeia de produção. Para tanto, fechou parceria com a também australiana Ionics, que tem em Belfast, na Irlanda, uma planta para produzir o óxido a partir da reciclagem de ímãs.

Com a soma da tecnologia da Ionics ao carbonato misto nascido em solo mineiro, a Viridis pretende partir para a produção dos ímãs permanentes. Chegar a esse ponto da cadeia de produção das terras raras tem, como ressalta Klaus Petersen, uma importância estratégica para o país. A explicação? A China caminha para não vender mais os ímãs como bem final, mas apenas o produto já instalado em um equipamento montado lá.

Assim, se uma determinada montadora precisar de um motor elétrico, a China venderá o ímã apenas para o motor que for produzido em uma fábrica que vier as ser construída pela montadora em território chinês.

“Imagine a agonia mundial que isso está causando”, comenta o diretor-executivo da Viridis.

Ele, no entanto, não está entre os agoniados, preferindo enxergar, no horizonte, uma oportunidade rara de o Brasil se tornar uma potência internacional na área. Ele estima que quando a Meteorics e a Viridis estiverem operando, o país irá responder por cerca de 10% a 15% da produção mundial de terras raras.

O que motiva a invasão australiana?

Alguns fatores explicam a voracidade com que os australianos se lançaram na corrida pela exploração das jazidas de brasileiras de terras raras. Uma delas é a proximidade do Brasil em relação aos principais centros consumidores — a Europa e os Estados Unidos da América (EUA) —, considerando que o mercado chinês é autossuficiente.

Assim, a logística acaba sendo um diferencial importante na composição do custo, pois a distância que separa o Brasil dos Estados Unidos e da Europa é a metade da distância entre a Austrália e os dois importantes mercados consumidores.

O custo da energia, que no Brasil fica em quatro centavos de dólar por quilowatt, também compõe a equação. O valor é um quinto do praticado na Austrália. Os trâmites para o licenciamento ambiental e o pagamento de royalties pela exploração mineral em solo brasileiro também foram considerados.

Segundo o advogado e ex-secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas, Germano Vieira, que assessora a Viridis e a Meteorics no licenciamento ambiental das operações no Brasil, a emissão da autorização para atuação na Austrália ocorre no prazo médio de quatro anos, o dobro do tempo necessário para que um empreendimento minerário seja autorizado a funcionar aqui.  

Na corrida pelas terras raras brasileiras, os australianos não saíram do zero. Nos projetos da Meteorics e da Saint George, havia uma prospecção inicial que indicava a existência dessas reservas. Na Meteorics, os antigos detentores do direito minerário – integrantes da família Togni – usavam a argila de Caldas para produzir refratários.

Em 2012, o geólogo da família, percebendo a semelhança entre a argila do local e as argilas iônicas chinesas, promoveu estudos de campo e descobriu o depósito de argila iônica de terras raras de Caldas.

Para explorá-las, os Togni fizeram contato com uma estatal do Japão, que tinha passado a buscar reservas de terras raras ao redor do mundo depois que a China decidiu não vender mais para os japoneses. A empresa japonesa, então, firmou um contrato que previa o pagamento antecipado de US$ 1,5 bilhão aos donos do tereno em Caldas. O valor serviria para bancar a venda dos direitos minerários do espaço.

A pandemia de Covid-19, entretanto, mudou o itinerário da estatal asiática, que trocou o aporte de US$ 1,5 bilhão no Brasil por um investimento de US$ 150 mihões na Meteorics. O movimento entregou, à empresa australiana, os direitos minerários antes pertencentes aos Togni.

No caso da Saint George, em Araxá, o trabalho inicial de prospecção foi feito pela canadense Itafos, produtora de fertilizantes que cogitava se instalar na cidade para atuar em uma jazida de fosfato, mineral muito comum nas redondezas. As avaliações da Itafos, contudo, identificaram que, em solo araxaense, há mais concentração de nióbio e terras raras do que de fosfato. O diagnóstico abriu caminho para os australianos, que passaram a compartilhar ações empresariais com a companhia canadense, que adquiriu os direitos minerários do projeto de Araxá e passou a deter 10% do capital da Saint George.

Em Araxá, a Saint George irá explorar o nióbio e as terras raras ao mesmo tempo. A meta é produzir 20 mil toneladas de produtos de nióbio e terras raras por ano. Embora a quantidade de nióbio a ser produzida corresponda a um terço da de terras raras, o nióbio é que que irá, conforme Thiago Amaral, diretor de Desenvolvimento Técnico da mineradora, dar economicidade ao projeto, já que a cotação das terras raras está em baixa.

No momento, a Saint George está na fase de pesquisa mineral. O objetivo da empresa é, segundo Thiago Amaral, chegar à produção do óxido de terras raras, que será vendido para empresas que farão a separação dos elementos para os diferentes usos que têm.

Laboratório com ‘DNA mineiro’

Saint George, Mosaic e Viridis fazem parte Laboratório de Produção de Imãs de Terras Raras (Labfab ITR) construído pela Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) com o objetivo de dar ao Brasil o domínio da tecnologia de produção dos ímãs permanentes.

Há um ano, o laboratório foi comprado por R$ 35 milhões pela Federação das Indústrias no Estado de Minas Gerais (Fiemg). A planta industrial já está com quase todos os equipamentos necessários para a produção dos ímãs. Os equipamentos do local, vindos da China, estão em fase final de testes e ajustes.

O último dos equipamentos necessários ao funcionamento do laboratório é um forno, cujo processo de importação, também da China, está em etapa avançada.

Segundo João Batista Ferreira Neto, coordenador do laboratório, a previsão é de que, em abril, a planta comece a funcionar em escala experimental. A intenção é produzir 100 toneladas de imãs de terras raras de alto desempenho por ano.

Não se trata, como ele mesmo reconhece, de uma produção que atenda às necessidade do país, cuja demanda é da ordem de 10 mil toneladas por ano.  João Batista, porém, diz tratar-se de um passo muito importante para que o país vá além da produção de terras raras como elemento primário e chegue à fase de separação dos óxidos e a produção dos imãs.

“A ideia desse projeto é mostrar para o país que somos capazes de produzir da mina ao produto final”, ressalta.

LabFab ITR terá capacidade de produção de 100 toneladas de imãs de terras raras por ano. Foto: Sebastião Jacinto/Fiemg/Divulgação

Ao redor do LabFab ITR, gravitam duas dezenas de empresas mineradoras, automotivas e de produção de motores elétricos, entre outros segmentos. Estas empresas estão por trás do projeto estruturante Rota 2030, que almeja captar R$ 72 milhões para investimento na ampliação do laboratório.

O plano, segundo João Batista, é transformar o laboratório em um centro de referência na produção de materiais magnéticos. Se o projeto não for aprovado, a ideia é que o LabFab ITR possa ser uma alternativa industrial a clientes que dependem de um produto específico em volume menor, demanda não atendidas pelos chineses, que exigem compras em alta escala dos insumos vindos das terras raras.

Nesse cenário, o que foge aos padrões tem um tempo de entrega maior e um custo mais alto, o que pode não corresponder às expectativas de muitos compradores.

A lição do nióbio

Se nas terras raras o Brasil está dando os primeiros passos, em outro mineral estratégico para a transição energética – o nióbio – o país está na ponta do processo de desenvolvimento de produtos finais. O nióbio aumenta a estabilidade térmica e elétrica das baterias, permitindo um desempenho confiável mesmo em altas temperaturas ou em condições extremas de funcionamento.

Além disso, baterias com nióbio podem ser carregadas em minutos e têm uma vida útil maior que as convencionais. Seu uso se dá em veículos elétricos, que exigem um carregamento rápido, e em sistemas de geração de energia solar e eólica. A bateria é onde a energia produzida é armazenada para ser utilizada quando não há vento ou sol.

O Brasil detém mais de 90% das reservas de nióbio do globo. Maior do mundo, a mina de Araxá alimenta a produção da CBMM, empresa brasileira de alcance global no mercado de nióbio. Há anos, a companhia trabalha no desenvolvimento de novas formas de uso do mineral.

Parcerias estratégicas

Em nota, a CBMM informou que investe, em média, R$ 250 milhões por ano em seu Programa de Tecnologia (P&D). Do montante, R$ 80 milhões são aplicados nas ações ligadas à produção das baterias. Os outros R$ 170 milhões são direcionados ao desenvolvimento e consolidação de outras tecnologias com nióbio.

Na área de baterias, um dos principais programas da CBMM é com a japonesa Toshiba. Em 2018, as duas empresas formalizaram uma parceria que coloca nas baterias o nióbio e o lítio, este também presente no subsolo mineiro e fundamental na transição energética para uma economia de baixo carbono.

A parceria com a Toshiba está alicerçada no desenvolvimento de baterias de lítio com ânodos de óxidos mistos de nióbio e titânio. Em uma bateria, os ânodos equivalem ao polo negativo. Em 2021, um acordo com a Volkswagen Caminhões e Ônibus expandiu o projeto. O pacto permitiu o teste da bateria em um ônibus para o qual foram desenvolvidos sistemas de gerenciamento térmico, energético e de carregamento ultrarrápido.

Atualmente, a tecnologia está em fase de testes em operação real. De acordo com a CBMM, o resultado de todas essas avaliações está sendo monitorado e vai gerar melhorias e ajustes tanto no projeto do protótipo quanto nas etapas finais do desenvolvimento da própria bateria.

Planta para a produção de óxidos de nióbio inaugurada pela CBMM em Araxá, em novembro do ano passado. Foto: CBMM/Divulgação

Recentemente, no início de novembro, a CBMM colocou em operação, em Araxá, o resultado de outra parceria estratégica que também reforça a sinergia entre o nióbio e o lítio: a fábrica de ânodos de nióbio para baterias de lítio.

A unidade industrial tem capacidade de produção de 3 mil toneladas anuais de ânodos de nióbio, das quais 2 mil toneladas utilizarão a tecnologia XNO, da inglesa Echion Technologies, especializada no desenvolvimento de baterias de lítio. A companhia britânica compra toda a produção da CBMM que usa a tecnologia XNO.

A tecnologia da Echion é utilizada em uma ampla gama de veículos e aplicações, como ônibus urbanos elétricos, trens híbridos e elétricos, caminhões e máquinas de mineração, navios, além de veículos off-road e carros de alto desempenho. A estratégia também é aplicada em robôs e equipamentos de movimentação de materiais, como os usados em centros de processamento de dados e depósitos de distribuição.

Lítio, o futuro da eletrificação

O lítio é um mineral importante na transição energética por causa de algumas de suas características, como a alta densidade. Isso significa que uma pequena quantidade de lítio pode armazenar grande quantidade de energia, permitindo o desenvolvimento de baterias compactas e leves.

Há, ainda, o baixo peso, característica especialmente importante para dispositivos portáteis e veículos elétricos. Assim, as baterias de lítio são significativamente mais leves do que as de chumbo-ácido ou níquel-cádmio.

A terceira característica é a longa expectativa de vida, o que permite muitos ciclos a mais de carga e descarga antes do início da fase de degradação, aumentando a vida útil dos dispositivos que utilizam este tipo de bateria.

Uma quarta característica das baterias de lítio é a alta eficiência de carga, o que resulta em menor perda de energia durante o carregamento.  

As maiores reservas mundiais de lítio estão na Bolívia (49%), Chile (27,3%) e China (10%). O Brasil também tem jazidas de lítio, concentradas nos municípios de Araçuaí e Itinga, no Vale do Jequitinhonha.

Até meados dos anos de 2010, o lítio era um mineral como tantos outros, do qual pouco se falava. Com o advento do boom da eletrificação veicular, o composto ganhou cartaz. Exemplo disso é a Companhia Brasileira de Lítio (CBL), indústria de capital 100% nacional que há 34 anos dedica-se à exploração do pegmatito litinífero em uma mina entre Itinga e Araçuaí. A CBL também age no beneficiamento do mineral, em uma unidade sediada em Divisa Alegre, 30 quilômetros distante da mina no Vale do Jequitinhonha.

A CBL opera de forma verticalizada. Na unidade de mineração, o pegmatito latinífero é transformado no concentrado de espudomênio, que é levado para a ala de beneficiamento químico, onde vira carbonato de lítio, hidróxido de lítio e sulfato de sódio anidro.

O carbonato tem três usos conhecidos: na indústria de cerâmica e na metalurgia (98,5% de pureza); na indústria farmacêutica, como medicamento psiquiátrico para pacientes com tendência ao suicídio (99,5% de pureza); e, com o mesmo grau de pureza, na crescente indústria de baterias. O hidróxido de lítio, com 99,99% de pureza, é usado em usinas nucleares de produção de energia elétrica.

A CBL produz dois outros materiais do lítio: o hidróxido de lítio monohidratado e o sulfato de sódio anidro. O hidróxido de lítio monohidratado é matéria prima da indústria de graxas e lubrificantes. O sulfato de sódio anidro está presente, a título de exemplo, na produção de papel, vidro, couro e tecido

Até 2016, a CBL atendia a toda a demanda nacional de produtos com lítio, inclusive a do setor de baterias, à ocasião presentes em eletrodomésticos e aparelhos celulares. Em termos percentuais da demanda, este tipo de uso não correspondia a nem a 1% do total, segundo revela o CEO da CBL, Vinicius Alvarenga, há cinco anos à frente das operações da companhia.

Planta química da CBL fica na cidade de Divisa Alegre. Foto: Raul Junior/CBL

Adequação aos novos tempos

Com a entrada em cena da eletrificação veicular, a CBL foi obrigada a se adequar aos novos tempos. No lugar da indústria de lubrificantes e graxas, maior cliente da companhia até 2016, surgiu a demanda por baterias. Para não perder o novo mercado, a firma quadruplicou a produção do concentrado de espodumênio e duplicou o trabalho em prol de compostos químicos.

Do ponto de vista tecnológico, foi, segundo Vinicius Alvarenga, uma transição tranquila, já que a companhia tem, há anos, o conhecimento necessário para produzir os compostos químicos demandados pela eletrificação veicular.

Hoje, segundo Alvarenga, do faturamento total da empresa, incluindo o da área de mineração, aproximadamente 80% vem do setor de baterias. A conta é influenciada pelo concentrado de espodumênio, utilizado na eletrificação veicular e exportado para a China, único país do mundo que, exceção feita ao Brasil, detém a tecnologia de processamento do composto.

Os planos da CBL não devem ficar apenas nos investimentos já feitos para a ampliação das plantas de produção de concentrado de espodumênio e de compostos químicos. Na gaveta, há projetos para novo aumento da capacidade de processamento da unidade de mineração, que passaria de 45 para 90 mil toneladas/ano do concentrado, e de produção da planta química, de 2 mil para seis mil toneladas/ano.

Embora os projetos estejam prontos para serem iniciados, Vinicius Alvarenga é cauteloso em relação a uma data para o pontapé inicial. A explicação é simples: com os preços do lítio fortemente pressionados para baixo no mercado internacional, ainda é preciso esperar um pouco mais para que a decisão seja tomada.

“Pode ser que o investimento seja interessante de se fazer agora. Pode ser que não”, afirma o CEO da CBL.

Outra empresa que projeta a expansão de sua planta industrial é a canadense Sigma Lithium, cujas operações estão localizadas nos municípios de Itinga e Araçuaí, também no Vale do Jequitinhonha, e compõem o projeto Grota do Cirilo. A empresa está construindo uma nova planta, a segunda, com capacidade de produção de 250 mil toneladas de concentrado de lítio. O espaço deve ficar pronto ainda em 2025. A empresa iniciou suas operações de pesquisa em 2012, tendo feito seu primeiro embarque de lítio em julho de 2023. O carregamento partiu do Porto de Vitória (ES) sob os olhares de Zema e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) rumo a uma refinaria na China.

Uma terceira planta já está em projeto e será a maior, com capacidade de produzir mais de 250 mil toneladas, o que elevará a produção total da companhia para 770 mil toneladas. Para a implantação da segunda unidade, a Sigma Lithium está investindo R$ 492 milhões em recursos que foram aportados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

No momento, a cotação do lítio está em baixa no mercado internacional. Porém, a Sigma afirma, em nota, que tal situação é uma fase de ajustes entre a oferta e o ritmo de expansão da demanda, não interferindo em sua política de investimentos.

A Sigma afirma que trabalha com uma expansão em 30% da demanda global por lítio em 2025. “Tal situação não impacta nossos investimentos, que respondem a uma expectativa de grande expansão da demanda nos próximos anos”, afirma a empresa, que tem como diferencial a produção de lítio carbono zero, com zero de uso de energia a carvão, zero barragem de rejeitos, zero uso de água potável e zero uso de químicos nocivos.

Planta industrial da Sigma, que projeta uma nova unidade para entrar em funcionamento em 2027. Foto: Sigma/Divulgação

Novo rumos para a mineração em Minas

A entrada em cena dos minerais estratégicos está mudando o cenário da mineração em Minas. Prova disso é que até o governo do estado mudou a estratégia. Como os aportes do capital privado estão se dando em patamares muito altos, a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) deixou de participar societariamente de empreendimentos destinados a agregar valor à cadeia produtiva da mineração e passou a atuar como fornecedora de informações estratégicas sobre o subsolo mineiro e a localização de possíveis novas reservas.

A estratégia de participar societariamente foi implementada durante o governo de Fernando Pimentel (PT), entre 2015 e 2018. O sucessor, Romeu Zema (Novo), não considera como melhor caminho a presença de ações de empresas do ramo nas mãos do Executivo. Foi aí que vendeu o LabFat ITR para a Fiemg.

Minas Gerais também negociou a participação que possuía na CBL e, em junho do ano retrasado, encerrou uma parceria de seis anos com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN) no projeto MG Grafeno, que atuava no desenvolvimento de tecnologias para o uso do grafeno, substância derivada do grafite, mineral também considerado estratégico e cujas reservas, no estado, estão no Vale do Jequitinhonha e no Vale do Rio Doce.

A parte do capital da CBL que era do estado (33,3%) foi adquirida pela ORE Investiments, fundo de capital nacional cujo foco é a mineração. Porém, como a CBL tinha o direito de cobrir a oferta apresentada, as ações que originalmente estavam atreladas ao poder público foram recompradas pela companhia.

Segundo Eduardo Ruiz, gerente de Mineração e Meio Ambiente da Codemge, o fornecimento de informações técnicas sobre o subsolo mineiro a empreendimentos minerários que pensam em se instalar no estado ajuda a reduzir os riscos inerentes aos projetos e aumenta a segurança do ambiente de negócios ligados à exploração dos territórios.

Um primeiro conjunto de informações são os mapas geológicos, disponíveis na escala de 1 para 100 mil. O segundo conjunto é o levantamento aerogeofísico, que também cobre todo o território de Minas.

O mapa geológico mostra o tipo de rocha, a idade das formações e os recursos minerais ali dispostos. O levantamento geofísico é feito por meio de aeronaves onde são instalados equipamentos que medem as propriedades do subsolo sem a necessidade de escavações, como ocorre na produção dos mapas geológicos.

No levantamento geofísico, a magnometria mede a quantidade de minerais ferro-magnesianos. A espectrometria afere a quantidade de elementos que possuem radioatividade natural na superfície do solo, especialmente, potássio, tório e urânio. Os mapas geológico e geofísico estão disponíveis em um portal.

O terceiro conjunto de informações disponibilizados gratuitamente é a plataforma Recursos Minerais de Minas Gerais, que pode ser acessada sem ônus financeiro por qualquer pessoa. O espaço virtual conta com a compilação de um vasto material produzido por várias universidades sobre os recursos minerais disponíveis no estado.

O Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (Sindiextra) considera os minerais estratégicos de grande importância para a transição energética e também para a geração de riquezas e empregos no estado, que, assim, segundo a instituição, cumpre sua missão histórica na área mineral.

O Sindiextra informa que tem acompanhado a atração de investimentos e tramitação dos projetos de licenciamento ambiental dos empreendimentos de minerais estratégicos no Estado, particularmente lítio e terras raras.

A entidade diz que tem dado retorno às demandas que chegam à instituição com esse objetivo, prestando suporte técnico no que for necessário ao bom andamento dos processos. O objetivo, segundo o Sindiextra, é fazer com que a mineração feita de forma sustentável impulsione o desenvolvimento econômico do Estado.

Desenvolvimento gera verticalização

É esse desenvolvimento que irá, no entender do CEO da CBL, Vinicius Alvarenga, fazer com que o principal objetivo que se persegue hoje, o da verticalização da mineração, aconteça de forma natural em um país como o Brasil, uma província mineral consolidada, amadurecida e com grandes investidores nacionais e internacionais.

Ele considera legítimo o desejo de se agregar maior valor à cadeia de mineração. Mas afirma que, para que isso ocorra, é preciso mais do que um desejo. É necessário, para o executivo, que se tenha uma escala que justifique a verticalização. Ao explicar o raciocínio, cita o minério de ferro e deixa no ar uma indagação: “Por que não se faz mais aço aqui? Falta minério de ferro? Falta dinheiro? Não. Falta mercado. Falta escala”, aponta.

Ele afirma que se o Brasil investisse mais em ferrovias e em construção civil e produzisse mais automóveis, o consumo de aço seria maior e, em consequência, uma parte do minério de ferro que é hoje exportado poderia ser utilizado na produção de aço nacional.

O mesmo raciocínio vale, segundo ele, para o lítio. Vinícius garante não ter dúvidas de, que, quando houver aumento substancial da demanda por baterias, a verticalização acontecerá de forma natural. O que não faz sentido, segundo o CEO da CBL, é guardar o minério na terra esperando o dia em que será demandado de forma mais verticalizada que hoje.

Veja os Stories em @OFatorOficial. Acesse

Encontro contou com a presença de dirigentes do partido e parlamentares do Congresso